domingo, março 29, 2009

O estranho magistério do Bispo de Viseu

O Senhor Bispo de Viseu, D. Ilídio Pinto Leandro, escreveu uma nota pastoral intitulada "A Viagem do Papa Bento XVI a África - A propósito dos preservativos...", publicada no sítio da diocese que chefia, onde a dado passo se pode ler o seguinte trecho:

O Papa, quando fala da Sida ou de outros aspectos da vida humana, não pode fazer doutrina para situações individuais e casos concretos. Neste caso, para relações entre uma pessoa infectada e outra que pode ser afectada com a doença. Nestes casos, quando a pessoa infectada não prescinde das relações e induz o(a) parceiro(a) (conhecedor ou não da doença) à relação, há obrigação moral de se prevenir e de não provocar a doença na outra pessoa. Aqui, o preservativo não somente é aconselhável como poderá ser eticamente obrigatório.

Até este ponto D. Ilídio. Agora o meu comentário.

Para o bispo viseense é moralmente admissível que uma pessoa infectada com o vírus da sida possa manter relações sexuais com outra pessoa não infectada, sem previamente informar esta da sua condição de seropositiva. Tal falha é suprível, se aquela primeira se precaver com a utilização de um preservativo… Já sem considerar a circunstância de o senhor bispo não explicitar na sua nota as situações a que supõe ser aplicável tão peregrino entendimento - Às relações matrimoniais? Extra-matrimoniais? Heterossexuais? Homossexuais? -, o facto é que os membros do episcopado nacional estão a descer cada vez mais a um nível que não se julgaria possível, mesmo depois do Vaticano II: pela primeira vez, tanto quanto saiba, um bispo português faz publicamente a apologia da canalhice pura e simples!

sábado, março 28, 2009

Um flagrante delito de desinformação

É triste constatar como o “Times” londrino ou o “Figaro” parisiense, jornais outrora sérios e respeitáveis, se transformaram, por força de quem presentemente define as suas linhas editoriais, em vulgares folhas de propaganda que não hesitam em alinhar na abjecta campanha mundial de difamação da pessoa do Santo Padre Bento XVI e de deturpação do magistério da Igreja Católica. E é tal o afã com que o fazem, que já nem sequer um simples texto jornalístico conseguem citar sem falsificações, no caso concreto, uma reportagem do “L’Osservatore Romano”. Quanto a esta, os escrevinhadores jornaleiros, com evidente má fé e tomando os seus desejos pela realidade, fazem alarde de uma súbita mudança no ensinamento moral da Igreja Católica sobre a ilicitude do uso de preservativos. Colossal engano, próprio de um flagrante delito de desinformação, no qual são acompanhados pelos asseclas do capote francês, que, fruto de uma imaginação delirante, vislumbram volte faces inexistentes acerca do tema. De tudo isto nos dão conta os nossos amigos do notável “Le Salon Beige”, um dos melhores blogues católicos tradicionais gauleses que conheço.

Mais do que nunca, é fundamental insistir que não é com recurso à distribuição maciça de preservativos que se consegue deter a progressão da epidemia de sida, mas antes com a promoção da mudança de comportamentos no campo da sexualidade, entendendo-se esta como uma realidade para ser vivida de modo consciente e responsável, no seio de uma relação monogâmica - o casamento - pautada pela fidelidade conjugal. Como o admitem os verdadeiros cientistas e o comprovam os factos contra os quais não há argumentos. Quanto ao resto, não passam de atoardas sofísticas e cientifistas de néscios pseudo-intelectuais, autênticos vendedores de banha da cobra imoral, os quais, mentindo desavergonhadamente e infringindo da forma mais anticristã possível o oitavo mandamento de decálogo, só se enganam a si mesmos.

Do infalível e imperecível Concílio Tridentino


O cânone 7, da XXII Sessão, que versou sobre o Santo Sacrifício da Missa:

Se alguém disser que as cerimónias, as vestimentas e os sinais externos de que a Igreja Católica usa na celebração da Missa são mais incentivos de impiedade do que sinais de piedade - seja excomungado.

Foto: Missa na Capela do Palácio Massimo, em Roma (blogue Orbis Catholicus).

quarta-feira, março 25, 2009

Em comemoração do aniversário do "Pasquim da Reacção": aforismos de Nicolás Gómez Dávila


"O Pasquim da Reacção", um dos meus blogues preferidos, que faz jus integral às verdades vencidas mas não convencidas da trilogia "Deus, Pátria, Rei", celebra a passagem do quinto ano de existência. Ao "Corcunda", seu autor, como prenda de aniversário, ofereço estes magníficos aforismos de Nicolás Gómez Dávila dedicados à reacção antimoderna. Afinal de contas, ser reaccionário é estar vivo!

- Lo que le inspira entusiasmo al moderno, cuando no me inspira repugnancia, me inspira desconfianza.

- Del que se dice que "pertenece a su tiempo" sólo se está diciendo que coincide con el mayor número de tontos en ese momento.

- El reaccionario no aspira a que se retroceda, sino a que se cambie de rumo. El pasado que admira, no es meta sino ejemplificación de sus sueños. Desde mediados del siglo pasado es cosa sabida que la fe en el progreso caracteriza al imbécil.

- Al despojarse de la túnica cristiana y de la toga clásica, no queda del europeo sino un bárbaro pálido.

- El medievo fascina como paradigma de lo antimoderno.

- Depender sólo de la voluntad de Dios es nuestra verdadera autonomía.

- Cuando oímos hoy exclamar: Muy civilizado! Muy humano!, no debemos vacilar: se trata de una abyecta porquería.

- Enfurecer el hombre típicamente moderno es indicio seguro de haber acertado.

- Cuando el progresista condena, todo hombre inteligente debe sentirse aludido.

- El que radicalmente discrepa no puede argüir sino enunciar. La época de argumentar feneció para el que rechaza los postulados modernos. No compartiendo convicciones con nuestros contemporáneos, podemos ambicionar convertirlos, pero no convencerlos. Al reaccionario sólo le es dable proferir sentencias abruptas que se le indigesten al lector.

- No soy un intelectual moderno inconforme, sino un campesino medieval indignado.

- Reaccionar no es caer en pasados muertos, sino arrancarse a una enfermedad que mata.

- El tiranicidio debe consistir hoy en apuñalar ciertas ideas.

- En nuestro tiempo la rebeldia es reaccionaria, o no es más que una farsa hipócrita y fácil.

- La existencia del reaccionario autentico suele escandalizar al progresista.

- Pero si todas las tesis del reaccionario sorpreenden al progresista, la mera postura reaccionaria lo desconcierta. Que el reaccionario proteste contra la sociedad progresista, la juzgue, y la condene, pero que se resigne, sin embargo, a sua actual monopolio de la historia, le parece una posición extravagante.

- Ser reaccionario es defender causas que no ruedan sobre el tablero de la historia, causas que no importa perder.

- El reaccionario no es el soñador nostálgico de pasados abolidos, sino el cazador de sombras sagradas sobre las colinas eternas.

Uma imagem vale mais...




... do que mil palavras.

Jovens católicos parisienses em defesa da pessoa do Papa Bento XVI, contra as provocações dos vendilhões da extrema-esquerda radical e do ódio anticatólico, que, junto à Catedral de Notre-Dame, insultavam Sua Santidade sob a palavra de ordem de "assassino".

Ainda o Ordinário exibicionista

Paco Pepe, do muito recomendável "La Cigüena de la Torre", num excelente e divertido artigo, chega a roupa ao pêlo a Dom Januário Torgal Ferreira. A impunidade do episcopado lusitano, responsável por um dos piores desertos modernistas da Europa, tem os dias contados.

segunda-feira, março 23, 2009

O Ordinário exibicionista

O Ordinário Torgal lembra-me cada vez mais aqueles espontâneos que durante os desafios de futebol ou de râguebi fazem gala de saltar das bancadas para o campo de jogo, atravessando-o a correr completamente nus. É assim que as suas mais recentes declarações, lamentáveis como de costume em tal figurão, devem ser entendidas. O caso já não é de heresia ou cisma, mas tão-só de puro exibicionismo. De resto, de mau gosto e doentio, como todos os exibicionismos.

domingo, março 22, 2009

Dizer a verdade em tempos de mentira universal

Um Papa incómodo que não se verga perante os poderes terrenos, nem se subordina aos disparates do mundo, preocupado apenas em servir e proclamar a verdade. Assim é Bento XVI! Motivo de justo orgulho para os católicos dignos desse nome e de temor para todos os inimigos da Igreja de Cristo, tanto os internos que a subvertem dissimuladamente como os externos que a atacam de frente!

Escreveu Orwell que em tempos de mentira universal, dizer a verdade é um acto revolucionário, e outra coisa não o fez o Santo Padre, a caminho dos Camarões, acerca da prevenção da sida. É preciso vivermos num mundo muito estranho, para que uma declaração de puro senso comum cause um clamor de fúria global. De facto, os homens modernos são genuinamente estúpidos, talvez os mais estúpidos de todos os tempos. Conformismo confrangedor, embotamento de raciocínio e obnubilação de consciência caracterizam-nos.

E, porventura, pode alguém com um mínimo de boa fé ou uma réstea de honestidade intelectual afirmar que o ensinamento católico sobre a sexualidade - realidade para ser vivida de modo consciente e responsável, no seio de uma relação monogâmica (o casamento) pautada pela fidelidade conjugal - é responsável pela propagação da epidemia de sida no mundo inteiro, especialmente em África, ou pela difusão de outras doenças transmitidas por via sexual? Creio bem que não! Ao invés, se em teoria todos sem excepção pautassem as suas vidas pela moral sexual católica, a incidência de tais doenças seria nula!

Assim, não são os ensinamentos da Igreja, em estrita conformidade com a lei natural - lei que impera sobre todos os homens, épocas e lugares, e portanto também sobre os africanos da África do começo do século XXI -, que enchem hospitais, sanatórios e asilos de doentes em estado terminal, mas antes a perversa divinização que o homem contemporâneo faz de si próprio e do seu comportamento, pretendendo-se arrogante e impunemente acima da lei natural. Arrogância e impunidade que, no caso concreto, supõe ilusoriamente manter, refugiando-se atrás de um miserável preservativo. Com os efeitos práticos desastrosos à vista de todos, ou, pelo menos, daqueles que ainda têm olhos para ver e cabeça para pensar.

domingo, março 15, 2009

A carta do Papa Bento XVI

A carta que o Papa Bento XVI escreveu aos bispos do mundo inteiro a propósito do levantamento das excomunhões dos quatros bispos da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, redigida num tom diplomático muito próprio de Sua Santidade, afigura-se-me de conteúdo globalmente positivo. Denotando numa ou noutra passagem ainda alguma heterodoxia, no seu essencial demonstra um Bento XVI cada vez mais próximo da tradição católica, tradição que não renega e em relação à qual repudia qualquer tentativa de ruptura imposta pelo suposto "espírito do V2". Mais importante ainda, Sua Santidade confirma estar cercado por lobos - e quem são eles, se não boa parte dos destinatários da carta, os bispos do mundo inteiro? -, dando a entender que não conta com estes para nada, ademais de os avisar solene e formalmente de que o processo de regularização canónica da FSSPX vai mesmo prosseguir, agrade-lhes ou não tal factualidade.

De seguida, transcrevo na íntegra a carta papal. Os destaques são naturalmente de minha autoria.

Amados Irmãos no ministério episcopal!

A remissão da excomunhão aos quatro Bispos, consagrados no ano de 1988 pelo Arcebispo Lefebvre sem mandato da Santa Sé, por variadas razões suscitou, dentro e fora da Igreja Católica, uma discussão de tal veemência como desde há muito tempo não se tinha experiência. Muitos Bispos sentiram-se perplexos perante um facto que se verificou inesperadamente e era difícil de enquadrar positivamente nas questões e nas tarefas actuais da Igreja. Embora muitos Bispos e fiéis estivessem, em linha de princípio, dispostos a considerar positivamente a decisão do Papa pela reconciliação, contra isso levantava-se a questão acerca da conveniência de semelhante gesto quando comparado com as verdadeiras urgências duma vida de fé no nosso tempo. Ao contrário, alguns grupos acusavam abertamente o Papa de querer voltar atrás, para antes do Concílio: desencadeou-se assim uma avalanche de protestos, cujo azedume revelava feridas que remontavam mais além do momento. Por isso senti-me impelido a dirigir-vos, amados Irmãos, uma palavra esclarecedora, que pretende ajudar a compreender as intenções que me guiaram a mim e aos órgãos competentes da Santa Sé ao dar este passo. Espero deste modo contribuir para a paz na Igreja.

Uma contrariedade que eu não podia prever foi o facto de o caso Williamson se ter sobreposto à remissão da excomunhão. O gesto discreto de misericórdia para com quatro Bispos, ordenados válida mas não legitimamente, de improviso apareceu como algo completamente diverso: como um desmentido da reconciliação entre cristãos e judeus e, consequentemente, como a revogação de quanto, nesta matéria, o Concílio tinha deixado claro para o caminho da Igreja. E assim o convite à reconciliação com um grupo eclesial implicado num processo de separação transformou-se no seu contrário: uma aparente inversão de marcha relativamente a todos os passos de reconciliação entre cristãos e judeus feitos a partir do Concílio – passos esses cuja adopção e promoção tinham sido, desde o início, um objectivo do meu trabalho teológico pessoal. O facto de que esta sobreposição de dois processos contrapostos se tenha verificado e que durante algum tempo tenha perturbado a paz entre cristãos e judeus e mesmo a paz no seio da Igreja, posso apenas deplorá-lo profundamente. Disseram-me que o acompanhar com atenção as notícias ao nosso alcance na internet teria permitido chegar tempestivamente ao conhecimento do problema. Fica-me a lição de que, para o futuro, na Santa Sé deveremos prestar mais atenção a esta fonte de notícias. Fiquei triste pelo facto de inclusive católicos, que no fundo poderiam saber melhor como tudo se desenrola, se sentirem no dever de atacar-me e com uma virulência de lança em riste. Por isso mesmo sinto-me ainda mais agradecido aos amigos judeus que ajudaram a eliminar prontamente o equívoco e a restabelecer aquela atmosfera de amizade e confiança que, durante todo o período do meu pontificado – tal como no tempo do Papa João Paulo II –, existiu e, graças a Deus, continua a existir.

Outro erro, que lamento sinceramente, consiste no facto de não terem sido ilustrados de modo suficientemente claro, no momento da publicação, o alcance e os limites do provimento de 21 de Janeiro de 2009. A excomunhão atinge pessoas, não instituições. Um ordenação episcopal sem o mandato pontifício significa o perigo de um cisma, porque põe em questão a unidade do colégio episcopal com o Papa. Por isso a Igreja tem de reagir com a punição mais severa, a excomunhão, a fim de chamar as pessoas assim punidas ao arrependimento e ao regresso à unidade. Passados vinte anos daquelas ordenações, tal objectivo infelizmente ainda não foi alcançado. A remissão da excomunhão tem em vista a mesma finalidade que pretende a punição: convidar uma vez mais os quatro Bispos ao regresso. Este gesto tornara-se possível depois que os interessados exprimiram o seu reconhecimento, em linha de princípio, do Papa e da sua potestade de Pastor, embora com reservas em matéria de obediência à sua autoridade doutrinal e à do Concílio. E isto traz-me de volta à distinção entre pessoa e instituição. A remissão da excomunhão era um provimento no âmbito da disciplina eclesiástica: as pessoas ficavam libertas do peso de consciência constituído pela punição eclesiástica mais grave. É preciso distinguir este nível disciplinar do âmbito doutrinal. O facto de a Fraternidade São Pio X não possuir uma posição canónica na Igreja não se baseia, ao fim e ao cabo, em razões disciplinares mas doutrinais. Enquanto a Fraternidade não tiver uma posição canónica na Igreja, também os seus ministros não exercem ministérios legítimos na Igreja. Por conseguinte, é necessário distinguir o nível disciplinar, que diz respeito às pessoas enquanto tais, do nível doutrinal em que estão em questão o ministério e a instituição. Especificando uma vez mais: enquanto as questões relativas à doutrina não forem esclarecidas, a Fraternidade não possui qualquer estado canónico na Igreja, e os seus ministros – embora tenham sido libertos da punição eclesiástica – não exercem de modo legítimo qualquer ministério na Igreja.

À luz desta situação, é minha intenção unir, futuramente, a Comissão Pontifícia «Ecclesia Dei» – instituição competente desde 1988 para as comunidades e pessoas que, saídas da Fraternidade São Pio X ou de idênticas agregações, queiram voltar à plena comunhão com o Papa – à Congregação para a Doutrina da Fé. Deste modo torna-se claro que os problemas, que agora se devem tratar, são de natureza essencialmente doutrinal e dizem respeito sobretudo à aceitação do Concílio Vaticano II e do magistério pós-conciliar dos Papas. Os organismos colegiais pelos quais a Congregação estuda as questões que se lhe apresentam (especialmente a habitual reunião dos Cardeais às quartas-feiras e a Plenária anual ou bienal) garantem o envolvimento dos Prefeitos de várias Congregações romanas e dos representantes do episcopado mundial nas decisões a tomar. Não se pode congelar a autoridade magisterial da Igreja no ano de 1962: isto deve ser bem claro para a Fraternidade. Mas, a alguns daqueles que se destacam como grandes defensores do Concílio, deve também ser lembrado que o Vaticano II traz consigo toda a história doutrinal da Igreja. Quem quiser ser obediente ao Concílio, deve aceitar a fé professada no decurso dos séculos e não pode cortar as raízes de que vive a árvore.

Dito isto, espero, amados Irmãos, que tenham ficado claros tanto o significado positivo como os limites do provimento de 21 de Janeiro de 2009. Mas resta a questão: Tal provimento era necessário? Constituía verdadeiramente uma prioridade? Não há porventura coisas muito mais importantes? Certamente existem coisas mais importantes e mais urgentes. Penso ter evidenciado as prioridades do meu Pontificado nos discursos que pronunciei nos seus primórdios. Aquilo que disse então permanece inalteradamente a minha linha orientadora. A primeira prioridade para o Sucessor de Pedro foi fixada pelo Senhor, no Cenáculo, de maneira inequivocável: «Tu (…) confirma os teus irmãos» (Lc 22, 32). O próprio Pedro formulou, de um modo novo, esta prioridade na sua primeira Carta: «Estai sempre prontos a responder (…) a todo aquele que vos perguntar a razão da esperança que está em vós» (1 Ped 3, 15). No nosso tempo em que a fé, em vastas zonas da terra, corre o perigo de apagar-se como uma chama que já não recebe alimento, a prioridade que está acima de todas é tornar Deus presente neste mundo e abrir aos homens o acesso a Deus. Não a um deus qualquer, mas àquele Deus que falou no Sinai; àquele Deus cujo rosto reconhecemos no amor levado até ao extremo (cf. Jo 13, 1) em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. O verdadeiro problema neste momento da nossa história é que Deus possa desaparecer do horizonte dos homens e que, com o apagar-se da luz vinda de Deus, a humanidade seja surpreendida pela falta de orientação, cujos efeitos destrutivos se manifestam cada vez mais.

Conduzir os homens para Deus, para o Deus que fala na Bíblia: tal é a prioridade suprema e fundamental da Igreja e do Sucessor de Pedro neste tempo. Segue-se daqui, como consequência lógica, que devemos ter a peito a unidade dos crentes. De facto, a sua desunião, a sua contraposição interna põe em dúvida a credibilidade do seu falar de Deus. Por isso, o esforço em prol do testemunho comum de fé dos cristãos – em prol do ecumenismo – está incluído na prioridade suprema. A isto vem juntar-se a necessidade de que todos aqueles que crêem em Deus procurem juntos a paz, tentem aproximar-se uns dos outros a fim de caminharem juntos – embora na diversidade das suas imagens de Deus – para a fonte da Luz: é isto o diálogo inter-religioso. Quem anuncia Deus como Amor levado «até ao extremo» deve dar testemunho do amor: dedicar-se com amor aos doentes, afastar o ódio e a inimizade, tal é a dimensão social da fé cristã, de que falei na Encíclica Deus caritas est.

Em conclusão, se o árduo empenho em prol da fé, da esperança e do amor no mundo constitui neste momento (e, de formas diversas, sempre) a verdadeira prioridade para a Igreja, então fazem parte dele também as pequenas e médias reconciliações. O facto que o gesto submisso duma mão estendida tenha dado origem a um grande rumor, transformando-se precisamente assim no contrário duma reconciliação é um dado que devemos registar. Mas eu pergunto agora: Verdadeiramente era e é errado ir, mesmo neste caso, ao encontro do irmão que «tem alguma coisa contra ti» (cf. Mt 5, 23s) e procurar a reconciliação? Não deve porventura a própria sociedade civil tentar prevenir as radicalizações e reintegrar os seus eventuais aderentes – na medida do possível – nas grandes forças que plasmam a vida social, para evitar a segregação deles com todas as suas consequências? Poderá ser totalmente errado o facto de se empenhar na dissolução de endurecimentos e de restrições, de modo a dar espaço a quanto nisso haja de positivo e de recuperável para o conjunto? Eu mesmo constatei, nos anos posteriores a 1988, como, graças ao seu regresso, se modificara o clima interno de comunidades antes separadas de Roma; como o regresso na grande e ampla Igreja comum fizera de tal modo superar posições unilaterais e abrandar inflexibilidades que depois resultaram forças positivas para o conjunto. Poderá deixar-nos totalmente indiferentes uma comunidade onde se encontram 491 sacerdotes, 215 seminaristas, 6 seminários, 88 escolas, 2 institutos universitários, 117 irmãos, 164 irmãs e milhares de fiéis? Verdadeiramente devemos com toda a tranquilidade deixá-los andar à deriva longe da Igreja? Penso, por exemplo, nos 491 sacerdotes: não podemos conhecer toda a trama das suas motivações; mas penso que não se teriam decidido pelo sacerdócio, se, a par de diversos elementos vesgos e combalidos, não tivesse havido o amor por Cristo e a vontade de anunciá-Lo e, com Ele, o Deus vivo. Poderemos nós simplesmente excluí-los, enquanto representantes de um grupo marginal radical, da busca da reconciliação e da unidade? E depois que será deles?

É certo que, desde há muito tempo e novamente nesta ocasião concreta, ouvimos da boca de representantes daquela comunidade muitas coisas dissonantes: sobranceria e presunção, fixação em pontos unilaterais, etc. Em abono da verdade, devo acrescentar que também recebi uma série de comoventes testemunhos de gratidão, nos quais se vislumbrava uma abertura dos corações. Mas não deveria a grande Igreja permitir-se também de ser generosa, ciente da concepção ampla e fecunda que possui, ciente da promessa que lhe foi feita? Não deveremos nós, como bons educadores, ser capazes também de não reparar em diversas coisas não boas e diligenciar por arrastar para fora de mesquinhices? E não deveremos porventura admitir que, em ambientes da Igreja, também surgiu qualquer dissonância? Às vezes fica-se com a impressão de que a nossa sociedade tenha necessidade pelo menos de um grupo ao qual não conceda qualquer tolerância, contra o qual seja possível tranquilamente arremeter-se com aversão. E se alguém ousa aproximar-se do mesmo – do Papa, neste caso – perde também o direito à tolerância e pode de igual modo ser tratado com aversão sem temor nem decência.

Amados Irmãos, nos dias em que me veio à mente escrever-vos esta carta, deu-se o caso de, no Seminário Romano, ter de interpretar e comentar o texto de Gal 5, 13-15. Notei com surpresa o carácter imediato com que estas frases nos falam do momento actual: «Não abuseis da liberdade como pretexto para viverdes segundo a carne; mas, pela caridade, colocai-vos ao serviço uns dos outros, porque toda a lei se resume nesta palavra: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Se vós, porém, vos mordeis e devorais mutuamente, tomai cuidado em não vos destruirdes uns aos outros». Sempre tive a propensão de considerar esta frase como um daqueles exageros retóricos que às vezes se encontram em São Paulo. E, sob certos aspectos, pode ser assim. Mas, infelizmente, este «morder e devorar» existe também hoje na Igreja como expressão duma liberdade mal interpretada. Porventura será motivo de surpresa saber que nós também não somos melhores do que os Gálatas? Que pelo menos estamos ameaçados pelas mesmas tentações? Que temos de aprender sempre de novo o recto uso da liberdade? E que devemos aprender sem cessar a prioridade suprema: o amor? No dia em que falei disto no Seminário Maior, celebrava-se em Roma a festa de Nossa Senhora da Confiança. De facto, Maria ensina-nos a confiança. Conduz-nos ao Filho, de Quem todos nós podemos fiar-nos. Ele guiar-nos-á, mesmo em tempos turbulentos. Deste modo quero agradecer de coração aos numerosos Bispos que, neste período, me deram comoventes provas de confiança e afecto, e sobretudo me asseguraram a sua oração. Este agradecimento vale também para todos os fiéis que, neste tempo, testemunharam a sua inalterável fidelidade para com o Sucessor de São Pedro. O Senhor nos proteja a todos nós e nos conduza pelo caminho da paz. Tais são os votos que espontaneamente me brotam do coração neste início da Quaresma, tempo litúrgico particularmente favorável à purificação interior, que nos convida a todos a olhar com renovada esperança para a meta luminosa da Páscoa.

Com uma especial Bênção Apostólica, me confirmo

Vosso no Senhor

BENEDICTUS PP. XVI

Vaticano, 10 de Março de 2009.

quarta-feira, março 11, 2009

O aborto de novo, desta vez no Brasil

Nunca duvidei de que, em certos casos terríveis e dramáticos, a culpa moral de uma mulher que aborta pode ser muitíssimo reduzida; mas sempre acreditei que o aborto é um acto intrinsecamente mau, errado e censurável, a evitar em absoluto. Escrevi-o aqui há cinco anos (meu Deus, como o tempo passa!). Recordo-o agora, a respeito da situação da menina brasileira infamemente violada pelo próprio padrasto. E, dito isto, sufrago por inteiro dois artigos escritos a propósito deste assunto, cuja leitura passo a recomendar:

- "A curta história de duas crianças que até para alguns católicos não existiram por não serem desejadas", do excelentíssimo "Corcunda";

- "O rótulo e a ideologia de pacote", de Afonso Miguel, autor de uma "Tribuna" cuja linha editorial fazia muita falta e que já se tornou um lugar de minha visita diária.

Entrevista a "O Sexo dos Anjos" - texto integral

Por sugestão do próprio Manuel Azinhal, republico integralmente neste espaço a entrevista que concedi a "O Sexo dos Anjos", com vista à sua divulgação junto de um maior número de leitores. Aqui fica a mesma.

1 - O Rodrigo Emílio dizia que nos transformámos de "país de missionários em país demissionário". O que aconteceu ao catolicismo em Portugal para chegar à situação presente?

Ao catolicismo português aconteceu o mesmo que ao restante catolicismo à escala global: por força das concepções antitradicionais consagradas pelo Concílio Vaticano II, demitiu-se de instaurar tudo em Cristo e optou por render-se aos disparates do mundo. Com os resultados deploráveis à vista de todos.

2 - Se tentasse raciocinar num plano exclusivamente humano, diria que existe um futuro para a Igreja Católica em Portugal?

Num plano exclusivamente humano, seria tentado a afirmar que inexiste qualquer outro futuro para a Igreja Católica em Portugal que não seja o da sua extinção pura e simples; contudo, sei bem que a Igreja Católica não é uma instituição exclusivamente humana e que goza da indefectibilidade que lhe foi prometida pelo seu fundador Jesus Cristo até ao final dos tempos, acrescendo-lhe, no caso específico português, a garantia dada em Fátima por Nossa Senhora de que o dogma da fé há-de manter-se sempre em terras lusitanas.

Sem prejuízo, aos mais acomodados, que supõem que tão magnas promessas os dispensam de qualquer esforço, recordo que nada substitui a acção dos crentes na defesa das verdades de fé e moral. De facto, a indefectibilidade da Igreja não implica a intangibilidade desta (como a história das perseguições que tem sofrido ao longo dos tempos o demonstra), nem a manutenção do dogma da fé pressupõe que este beneficie para sempre de visibilidade pública. Havia fé - e que fé! - nas catacumbas…

3 -Quando surgiu "A Casa de Sarto", não existiam na blogosfera portuguesa os blogues declaradamente católicos e tradicionalistas que entretanto apareceram. Hoje existem alguns. Brasileiros também. Não considera, ainda assim, que é escassa a presença na blogosfera de língua portuguesa das correntes representativas da tradição católica?

Quando iniciei "A Casa de Sarto", os católicos tradicionais portugueses não tinham qualquer voz, nem se faziam ouvir minimamente para além das paredes dos priorados da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X. No espaço público, a discussão estava praticamente monopolizada pelos modernistas e progressistas, por figuras como o Bispo D. Januário Torgal Ferreira, Frei Bento Domingues, o Padre Mário Oliveira ou o teólogo Anselmo Borges, todos sempre muito críticos da Igreja, não por esta recusar a sua total demolição, mas por não executá-la com a rapidez por eles julgada ideal!

Ora, a um nível muito modesto, parece-me que consegui alterar um pouco este estado de coisas. Na Igreja institucional portuguesa era inadmissível defender-se a excelência da Missa tradicional de rito latino-gregoriano ou criticar as doutrinas não-tradicionais acolhidas a um nível meramente pastoral pelo Concílio Vaticano II. Isso acabou! Agora tais questões começam a ser debatidas à luz do dia. Os modernistas e os progressistas deixaram de poder ignorar a tradição, ainda que seja tão-só para insultá-la. E é um excelente sinal dos tempos que a insultem!

Fico igualmente muito satisfeito por "A Casa de Sarto" ter dado frutos. Apraz-me constatar a expansão que os blogues católicos tradicionais de língua portuguesa têm registado nos tempos mais recentes, dos quais destacaria no nosso país o "Tradição Católica", da Magdalia, a boa surpresa do "Economia da Alma", de Hugo Pinto Abreu e Diogo Pereira Nunes, e o circunspecto mas muito importante "Missa Tridentina em Portugal", de Sebastião Silva. Noutro plano, sublinho a notável evolução do "Corcunda", de um conservadorismo político de recorte anglo-saxónico para um vigoroso tradicionalismo católico, e não termino sem aludir ao mais discreto dos blogues católicos tradicionais portugueses - um certo "O Sexo dos Anjos".

No Brasil, e sabendo que estou a ser injusto com muitos e excelentes amigos, realçaria o "Fratres in Unum" e o "Contra Impugnantes", sem olvidar os magníficos recursos doutrinários que sítios como a "Permanência" ou a "Associação Montfort" colocam à disposição de todos os católicos tradicionais que dominam o português.


4 - Nestes últimos anos, em que A Casa de Sarto e os seus autores têm marcado presença na blogosfera, a causa da tradição católica em Portugal estagnou, avançou ou regrediu?

Creio que timidamente a causa da tradição avançou em Portugal.

Hoje, para além dos priorados da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, já existe uma diocese nacional - a de Leiria-Fátima - onde a Missa tradicional é oficiada regularmente, o que era inimaginável quando "A Casa de Sarto" apareceu. Fonte segura afirmou-me que mais três dioceses seguirão brevemente o exemplo leiriense. É claro que os bispos portugueses - na sua maioria completamente imbuídos do "espírito do Vaticano II" e da hermenêutica da ruptura a este adstrita - continuam a ser uma enorme força de bloqueio à expansão da tradição; porém, dado grande parte deles estar à beira de atingir o limite de idade para o exercício do múnus episcopal, o panorama acabará por alterar-se para melhor, à imagem do que já vai sucedendo noutros países.

Por outro lado, e aqui reside uma das maiores esperanças da tradição em Portugal, um cada vez maior número de fiéis leigos, em especial jovens, tem vindo a consciencializar-se da extraordinária riqueza da doutrina católica, bem como do esplendor e beleza da Santa Missa de rito latino-gregoriano. A esta circunstância específica não é alheia a influência que a tradição católica conseguiu conquistar na internet, em particular na blogosfera à escala mundial.

5 - Houve momentos de um passado recente, como as mobilizações da campanha contra o aborto, em que pareceu que havia mais fiéis dispostos a dar testemunho e a combater o bom combate do que a própria hierarquia gostaria. Não haverá aqui um drama e uma esperança?

Há em primeiro lugar um drama! No caso do aborto, como noutros - e aí está a questão das parelhas homossexuais a prová-lo uma vez mais - foi e tem sido deplorável a pusilanimidade demonstrada pelos membros da Conferência Episcopal Portuguesa, contaminando directamente a quase totalidade do clero sob sua jurisdição. Os bispos demitiram-se de ensinar e defender a fé e a moral, e muitos deles não compreenderão sequer o motivo por que um dos símbolos do seu estatuto é o báculo! Que pastores de almas são estes que desertam da batalha e nela deixam abandonadas as suas ovelhas a lutar sozinhas contra alcateias de lobos esfaimados?! Aliás, mais do que deserção, o episcopado nacional está a ser sistematicamente derrotado por falta de comparência, a qual constitui o grande drama corrente da Igreja portuguesa. Esta renuncia voluntariamente a estar presente no espaço público, que é assim ocupado sem luta pelas forças inimigas anticristãs.

Depois, em menor escala, há também uma esperança, na medida em que os leigos não se conformam mais com o estado de coisas acima referido. Ao invés, resistem e defendem a boa doutrina, sem cederem a falsas obediências que num passado recente tanto mal fizeram.

6 - Tenho pensado que a grande razão para o curto tempo de vida da generalidade dos blogues que constantemente aparecem e desaparecem reside no facto de os seus autores terem muito pouco para dizer. O que lhe parece?

Um blogue deve ter sempre bem definida uma linha editorial que lhe sirva de fio condutor, pois, caso contrário, estará fadado a desaparecer rapidamente sem haver tido outra razão de ser que não fosse a de satisfazer um mero capricho passageiro do seu autor. Penso que será esta a principal causa da curta duração de muitos blogues; mas não olvido também o esforço tremendo que estes exigem para ser mantidos em permanência dentro de um nível de qualidade mínima aceitável…

7 - Proponho um exercício difícil: procure apresentar em breves linhas os autores que indico a seguir.

a) G. K. Chesterton.

Ortodoxia, senso comum e bom humor. Um autor com características semelhantes é o meu muito estimado Padre Leonardo Castellani.

b) Charles Maurras.

O mestre da contra-revolução, antimoderno e ultramoderno; António Sardinha equipara-se-lhe e com a vantagem de não sofrer tentações pagãs.

c) Julio Meinville.

O grande refutador do sistema progressista e de dois dos principais subprodutos deste: o teilhardismo e o maritainismo.

d) Gustavo Corção.

Em conjunto com Dom António de Castro Mayer, a grande glória do combate católico tradicional em língua portuguesa. Um justíssimo orgulho do Brasil e - por que não? - de Portugal! “O Século do Nada” é uma obra-prima de leitura absolutamente obrigatória para os tradicionalistas do mundo inteiro!

e) Nicolás Goméz Dávila.

Um genial escritor católico colombiano - o reaccionário solitário de Bogotá (1913-1994) - que começa a ser merecidamente conhecido na Europa e América do Norte. A sua obra, quase toda escrita sob a forma de aforismos, é uma crítica devastadora, estribada em finíssima ironia, da ideologia revolucionária contemporânea e das suas consequências religiosas, morais, políticas e culturais. Um autor a descobrir com urgência!

segunda-feira, março 02, 2009

Ainda o caso Williamson

Confesso que foi de extremo desagrado a minha primeira reacção às declarações de Monsenhor Williamson, depois de as mesmas haverem sido convenientemente desenterradas pela televisão sueca, na sequência do levantamento das excomunhões dos quatro bispos da FSSPX. Na altura, mandei uma carta ao Rafael Castela Santos, que o conhece pessoalmente, criticando o bispo tradicionalista em termos muito duros e até injustos.

Uma semana depois, e já com a miserável campanha à escala global entretanto desencadeada contra o Santo Padre e a FSSPX em pleno desenvolvimento, escrevi um artigo aqui publicado e intitulado "O caso Williamson", que supunha ser o primeiro e último que redigiria sobre o assunto. Suposição errada porquanto sou agora forçado a abandonar o papel de crítico do Bispo Williamson e assumir o de seu defensor.

Porquê?! Porque ajuízo como absolutamente inadmissível tudo o que se passou na última semana envolvendo a pessoa daquele, desde a sua saída forçada da Argentina até à reacção à apresentação do seu segundo pedido público de desculpas.

Apesar de não terem sido negacionistas, as declarações de Monsenhor Williamson sobre o denominado Holocausto foram imponderadas, imprudentes e infelizes - disse-o antes e repito-o agora; porém, em nada infringiram as leis divina e natural, já que tiveram por objecto matéria histórica, decerto grave, mas não-dogmática e portanto sujeita a livre apreciação. Deste modo, pelo simples facto de as haver pronunciado, acho intolerável acossá-lo como se fosse um animal feroz ou persegui-lo como se tratasse de um malandrim sem escrúpulos. Que ninguém rasgue farisaicamente vestes face a tais declarações, num mundo que permite que ateus, satanistas, pederastas, sodomitas, aborcionistas e eutanasistas defendam e promovam com total liberdade as suas perversões, imposturas e mentiras! Basta de hipocrisia!

Mais escandalosa ainda é a reacção de alguns aos dois pedidos de desculpas públicas já feitos por Monsenhor Williamson, onde se retracta das suas infelizes declarações. Parece que tais retractações, que evidenciam uma enorme humildade de carácter bem contrastante com o orgulho tão típico do homem moderno, não são suficientes para esses.

E quem são esses? Aqueles que não pretendem qualquer retractação do Bispo Williamson, mas antes, tão-só e nada mais do que a sua autocrítica pública à maneira dos condenados dos julgamentos populares da Rússia estalinista e da China maoísta, na qual renegue em absoluto a sua volição e consciência, e aceite acriticamente a existência do dogma onde não existe dogma!

Mil Novecentos e Oitenta e Quatro? Sem dúvida que sim!

Wiston, mergulhado no seu sonho feliz, nem reparou que lhe enchiam o copo. Já não estava a correr nem a dar vivas. Encontrava-se de novo no Ministério do Amor, e tudo fora perdoado: tinha a alma branca como a neve. Encontrava-se no banco dos réus, a confessar tudo, a denunciar toda a gente. Caminhava pelo corredor de ladrilhos brancos, com a sensação de quem caminha ao sol, e atrás de si vinha um guarda armado. A tão esperada bala entrava-lhe enfim no cérebro.

Ergueu os olhos para o rosto enorme. Levara quarenta anos a descobrir que sorriso se escondia atrás do bigode negro. Oh, cruel e desnecessário mal-entendido! Oh, teimoso e voluntário exílio do peito amantíssimo! Duas lágrimas impregnadas de gin escorreram-lhe de ambos os lados do nariz. Mas estava tudo bem, tudo bem, a luta chegara ao fim. Alcançara a vitória sobre si próprio. Amava o Grande Irmão.
(George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, Lisboa, Edições Antígona, 1999)

Curiosamente, Richard Williamson é um profundo conhecedor da obra de George Orwell, como pode comprovar-se aqui.

Ler também:

- "Um imenso blefe diabólico", no "Contra Impugnantes";

- "El patriarca antediluviano o Mons. Williamson", no "La Honda de David".