terça-feira, fevereiro 23, 2010

Eugénio Corti e "O Cavalo Vermelho"


Terminei há não muito a leitura das quase mil páginas da edição em língua francesa d’”O Cavalo Vermelho” ("Le Cheval Rouge"), do italiano Eugénio Corti. Escritor quase desconhecido em Portugal (acerca dele, encontrei redigido no nosso país tão-só este artigo), é todavia um autor aclamado em Espanha, França e, sobretudo, Itália, com uma longa carreira literária iniciada em 1947.

“O Cavalo Vermelho” é a obra-prima de Corti: originalmente publicado em 1983, trata-se de um romance notável que cobre trinta e cinco anos da história italiana entre 1939 e 1974, com especial incidência no período da II Guerra Mundial, por onde perpassam constantemente as firmes convicções católicas do autor. Este conduz-nos a um ritmo avassalador, por intermédio das diferentes personagens da sua obra, das terríveis batalhas da Frente Leste aos furiosos combates da Linha Gótica, no centro de Itália (Corti combateu em ambos os teatros: no primeiro, como oficial do Exército Real Italiano, participando na pavorosa retirada italiana dos arredores de Estalinegrado; no segundo, depois do armistício de Setembro de 1943, como membro do Exército de Libertação Nacional Italiano); da guerra suja entre as forças leais a um Mussolini cingido ao território da República Social Italiana e a feroz guerrilha comunista; da Itália do fim guerra, na iminência de cair sobre o controlo do Partido Comunista de Palmiro Togliatti (travado quase miraculosamente por uma democracia-cristã então ainda fiel aos seus princípios doutrinários de base) até à Itália de 1974, dos anos de chumbo, descristianizada e corrompida, em grande parte por culpa da rendição católica sucedida com o V2. De permeio - e que permeio! -, Corti retrata-nos os devastadores efeitos da negação da ordem moral cristã não só pelos dois irmãos inimigos que foram o nacional-socialismo e o comunismo soviético, mas também pelo relativismo moral hodierno, guiando-nos sucessivamente pela inumanidade nazi, pela selvajaria inimaginável do diabólico gulag vermelho (por si observado em primeira mão), em páginas escritas ao nível do melhor Soljenitsine, e, enfim, pela degeneração ética das sociedades ocidentais contemporâneas.

Pujante defesa do “tudo instaurar em Cristo”, mensagem principal d’”O Cavalo Vermelho”, Corti demonstra que tal instaurar deve ser sempre o objectivo último de todo o católico digno desse nome, na medida das suas possibilidades, em quaisquer circunstâncias a que Deus o tenha destinado, mesmo no meio das ruínas: na vida pessoal; na vida familiar; na vida pública.

Enfim, este é um livro que me prendeu como há muito não sucedia, e que me fez criar uma empatia quase instantânea com o seu autor e algumas das suas personagens. Corti é definitivamente um escritor católico na mais pura acepção da palavra! Leitura recomendada em absoluto!

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Juan Manuel de Prada em português


Já está disponível nas livrarias, com a chancela da "Aletheia", a edição portuguesa do imprescindível "A Nova Tirania - O Senso Comum contra o Progressismo Matrix", de Juan Manuel de Prada, escritor espanhol convertido ao Catolicismo e que é actualmente um dos mais importantes defensores públicos da religião católica no país vizinho, através das colunas que publica com regularidade em órgãos de comunicação social como o jornal "ABC", a revista digital "XL Semanal" ou ainda o próprio "L'Osservatore Romano", da Santa Sé.

Em todos estes espaços, Prada insurge-se contra a ditadura totalitária do relativismo ético-moral que oprime as decadentes sociedades ocidentais modernas, bem como contra o fundamentalismo secularista e laicista que define caracteristicamente de "progressismo matrix". Que vem a ser este progressismo? Dê-se a palavra ao autor, também como forma de estimular a sua descoberta pelos meus leitores:

O progressismo Matrix converteu-se (…) numa espécie de fé messiânica: instaurou uma nova ordem, impôs paradigmas culturais inatacáveis, estabeleceu uma nova antropologia que, prometendo ao homem a libertação final, lhe reserva apenas o suicídio futuro. E a única ordem capaz de se erguer contra esta nova ordem quase-religiosa é a ordem religiosa, que restitui ao homem a sua verdadeira natureza e lhe propõe uma visão cabal do mundo, que ataca os fundamentos da ilusão na qual assenta a nova tirania, dissolvendo as falsificações. Trata-se de uma visão que a nova tirania combate denodadamente; com efeito, essa ordem religiosa é a única fortaleza que ainda lhe falta derrubar, para que o seu triunfo seja completo. O laicismo dominante acusa a Igreja de se imiscuir na política, aduzindo aquela sentença evangélica que costuma ser arvorada por pessoas que nunca leram o Evangelho: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus." Mas, afinal, quais são as coisas que são de César? São as coisas temporais, as realidades terrenas; mas não são os princípios de ordem moral que resultam da natureza humana, nem os fundamentos éticos da ordem temporal. A nova tirania, que tão zelosa se mostra de expandir as "liberdades" dos seus súbditos, não hesita em recusar à Igreja a liberdade de ajuizar a da moralidade da sua actuação temporal, ciente que está que tal juízo contém uma radical subversão da ilusão sobre a qual assenta a nova tirania. Anseia por uma Igreja farisaica e corrompida, que renuncie a restituir ao homem a sua verdadeira natureza e que acate esse "mistério da iniquidade" que é a adoração do homem; anseia por uma Igreja que se ajoelhe diante de César, convertida na "grande rameira que fornica com os reis da terra" de que nos fala o Apocalipse (destaques meus).

Em conclusão, como se constata pelo trecho supra citado, este livro é de leitura absolutamente obrigatória e uma munição fundamental no terrível combate que todos os católicos dignos desse nome travam contra o monstro progressista em ambas as frentes da Igreja - a externa e a interna.

Por último, mas não menos importante, sublinhe-se que Prada é um grande admirador da obra do Padre Leonardo Castellani e divulgador da mesma em Espanha, o que faz com que a sua pessoa me seja ainda mais simpática.

Para quem pretenda conhecer melhor a obra e o pensamento do autor, deixo aqui ainda as seguintes ligações:

- Escritor Juan Manuel de Prada alerta para a "Nova Tirania";

- Juan Manuel de Prada: La Nueva Tiranía (El Matrix Progre);

- La España católica tiene un nuevo heraldo: Juan Manuel de Prada.

terça-feira, fevereiro 16, 2010

A propósito do centenário da república - 1


Tem a palavra Mestre Ramalho Ortigão, que até parece discorrer sobre a III República, a actual:

Pobres homens, mais dignos de piedade que de rancor os que imaginam que é com um carapuço frígio, talhado à pressa em pano verde e vermelho, manchado no lodo de uma revolta num bairro de Lisboa, que mais dignamente se pode coroar a veneranda cabeça de uma pátria em que se geraram tantos grandes homens, a cuja memória imperecível, e não aos nossos mesquinhos feitos de hoje em dia, devemos ainda os últimos restos de consideração a pudemos aspirar no mundo! Pobre gente! Pobre pátria!

(…)

Tais resultados, que eu acho melhor encarar pelo lado cómico, que pelo lado trágico, demonstram, com a evidência científica de uma operação química, que a experiência política da Rotunda prolongada até hoje não está deixando, no fundo das retortas, senão indisciplina, desordem, deseducação, desnacionalização, imoralidade, irreligião, empobrecimento, charlatanismo, cabotinismo e miséria.

Evaporada a infantil e burlesca ilusão de que um país pode continuar a viver, como vive uma minhoca em postas, uma vez esquartejado nas suas tradições, nas suas crenças, nos seus usos e costumes, na continuidade da sua experiência histórica, governado por um pessoal improvisado pelo favoritismo político, com uma instrução pública de pedantes, uma religião de ateus, uma polícia de sicários, uma maioria parlamentar de ineptos, um ministério de energúmenos, uma burocracia de vagabundos e uma diplomacia de curiosos, da qual só é dado esperar através das chancelarias e dos salões da Europa a mais estercoraria pingadeira de "gaffes".

Citado por Fernando Campos, in "Os Nossos Mestres ou Breviário da Contra-Revolução", Lisboa, Portugália Editora, 1924 - páginas 76 e 78.

Um livro para ler ou reler no centenário da república


Numa altura em que já se iniciaram as comemorações do centenário da república, ler ou reler o livro "Padre Barros-Gomes - Vítima da República", da autoria do Padre Bráulio Guimarães, publicado originalmente em 1939 e reeditado pela "Aletheia" em 2007, é uma excelente ocasião para todos - em especial os mais distraídos - recordarem a verdadeira e perversa natureza da coisa objecto das comemorações em curso.

Relembre-se que o Padre Barros Gomes, insigne cientista e ilustre sacerdote lazarista, foi barbaramente assassinado por um grupo de facínoras republicanos no próprio dia 5 de Outubro de 1910, em Arroios, Lisboa, num acto que, desde logo, definiria a essência criminosa do novo regime e dos seus apaniguados, que os tristes do costume tentam agora, cem anos depois, fazer passar por heróis, como se porventura a verdadeira memória histórica se tivesse desvanecido.

terça-feira, fevereiro 02, 2010

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Uma renúncia com a qual a Igreja só terá a ganhar

Em postal anterior referi que D. José Policarpo se aproxima do limite de idade para o exercício de funções. A este respeito, escreve o sempre bem informado Paco Pepe, com o seu bom humor característico, que a Igreja só terá a ganhar com a renúncia - entre outros cardeais que refere - do actual Patriarca de Lisboa.

Concordo em pleno com o responsável do imprescindível "La Cigüeña de la Torre". De facto, não deixará quaisquer saudades a forma como D. José Policarpo governou a diocese olissiponense, já que num plano interno alinhou sempre com um progressismo obsoleto radicalmente anticatólico e em nada beneficiou a tradição, e num plano externo se mostrou incapaz de defender com um mínimo de firmeza e sem quaisquer ambiguidades, mormente face ao poder político socialista, o magistério constante da Igreja em matérias como o aborto ou emparelhamento de homossexuais.

Na verdade, e afirmo-o sem qualquer prazer, ao seu múnus episcopal no Patriarcado de Lisboa só pode aplicar-se este trecho do "Sermão da Epifania", pregado pelo grande Padre António Vieira, no ano de 1662, na Capela Real:

Sabeis, diz o supremo Pastor da Igreja, quando foge o que não é verdadeiro pastor? Foge quando vê injustiças, e em vez de bradar contra elas, as cala: foge, quando devendo sair a público em defesa de verdade, se esconde, e esconde a mesma verdade debaixo do silêncio. Bem creio que alguns dos que me ouvem, teriam por mais modéstia e decência, que estas verdades e estas injustiças se calassem; e eu o faria facilmente como Religioso, sem pedir grandes socorros à paciência: mas que seria, se eu assim o fizesse? Seria ser mercenário e não pastor: Fugit, quia mercenarius est: seria ser consentidor das mesmas injustiças que vi, e estando tão longe, não pude atalhar: Fugit, quia injuistitiam vidit, et tacuit: seria ser proditor das mesmas ovelhas que Cristo me entregou, e de que lhe hei-de dar conta, não as defendendo, e escondendo-me onde só as posso defender: Fugit, quia se sub silentio se abscondit.