sexta-feira, março 25, 2005

Um ano de "Pasquim da Reacção"

Retribuindo o imerecido elogio que o "Pasquim da Reacção" me dirigiu, felicito-o não só pela passagem do seu primeiro aniversário, mas sobretudo pelo elevadíssimo nível e distinção que tem sabido manter na blogosfera, qualidades que o tornaram um espaço verdadeiramente ímpar e de visita obrigatória diária. Em homenagem ao Corcunda, aqui deixo este texto do Padre José Agostinho Macedo, extraído da "Carta 20ª de José Agostinho Macedo a seu amigo J. J. P. L.", e escrito no estilo tão peculiar de tal autor:

"A Constituição de uma Monarquia, meu amigo, é o objecto mais sagrado e respeitável na ordem civil e política para o homem de bem, para o homem Católico, para o Cidadão pacífico, obediente e fiel aos seu Rei, à sua Religião, à sua Pátria, e às Leis estabelecidas, por que a sua Pátria se governa. Se V.M. quiser entender por todos estes nomes, ou por todas estas virtudes, que não são um nome vão, um Corcunda, entende V.M. uma verdade; e, pintando-o assim, ninguém o pintará melhor, e será um grande Pintor, porque apresentará um retrato em que se veja sem equivocação o original. Uma Constituição política é a força orgânica e até a força motriz de um corpo social, que se chama uma Nação. A primeira Constituição que apareceu no Mundo foi a do mesmo Mundo, e sem ela não poderia ele existir. No momento marcado na fluxão infinita da Eternidade, em que Deus se dignou criar o Mundo, logo lhe deu uma Constituição. É a primeira coisa que um rapaz sabe, quando na escola lhe ensinam a pôr em Português o que está em Latim:"Mundus a Domino constitutus est". Todas estas Leis invariáveis e multiplicadas por que se governa esta grande máquina, ou este corpo imenso, que se agita por um espaço indefinito, são outras tantas Leis regulamentares que se derivam dos artigos e parágrafos desta fundamental Lei, ou Constituição, que Deus dera ao Mundo no instante da sua criação. Sem esta Lei, mãe de tantas Leis, não existiria, nem poderia existir o mesmo Mundo. Estas Leis são sentidas porque a elas obedecem todas as partes deste grande corpo, ou por elas subsistem na ordem e no lugar que se lhes marcara. O Filósofo não as entende, nem as explica, isso não importa, basta que as veja, que as sinta, e que as não possa negar. Ora, se o Mundo visível subsiste por uma Constituição dada pelo Soberano Senhor de todas as coisas, que é Deus (deixemo-nos do Supremo Arquitecto, que aqui não entram obras de alvenaria), o pequeno Mundo moral de qualquer humana sociedade, que se chama Nação, também não pode existir sem uma Constituição. A do Mundo foi dada por Deus, a de qualquer Reino deve ser dada pelo Rei, que é um Representante de Deus, porque por Ele reinam os Monarcas, e toda a Potestade vem de Deus. - Isto era uma blasfémia desde 1820 até Maio de 1823; e quem se atrevesse a proferi-la, o menos que lhe faziam era mandá-lo respirar os ares livres das Berlengas, ou viajar, para se instruir, em Reinos Estrangeiros. Nós os Portugueses também somos gente; e quando desalojámos daqui os Mouros, que eram os donos da casa com posse pacífica de mais de três Séculos, depois que os Mouros tinham também posto a andar daqui para fora os Godos e os Suevos, que também tinham desalojado os Romanos, nós quisemos formar em corpo de Nação Livre e independente; e D. Afonso Henriques, com seu Procurador Lourenço Viegas, e com seu Secretário inamovível, Mestre Alberto; e de outra parte os Ricos Homens, que não eram como os ricos de agora, e no meio uns Abades de má cara, e não tanto dinheiro como o de Lobrigos, ou Soalhães; e no esquerdo lado os Procuradores dos Povos com as suas capinhas curtas, e de calças, sem serem de Saragoça; eram de picote, ou de chamalote: tudo junto em Lamego, foi dada pelo Rei a Constituição da Monarquia independente. Todos disseram - Assim seja, e ninguém mais abriu bico. Todo Portugal foi Corcunda; e ainda até hoje 8 de Setembro de 1827, entre tantos milhões de Corcundas que têm existido, não houve um só que não quisesse o Rei e a Lei, mas a Lei dada pelo Rei, e a isto é que se chama ser Corcunda.
Ora, se quando El-Rei D. Afonso Henriques saísse da Igreja de Almocade, em Lamego, lhe aparecessem à porta treze Franchinotes do Porto com um pergaminho feito de tripas, e nele escrita uma Constituiçãozinha feita no espírito das luzes do Século, derramamento de luzes e progressos da civilização, e lhe dissesse o Cidadão Borges, o Cidadão Manuel e outros que nós conhecemos, e lhe declarassem com todo o império - "Alto lá, V. Senhoria, Senhor D. Afonso, não põe um pé daqui para fora sem jurar esta Constituição que nós fizemos, e tenha a bondade de tirar da cabeça esse morrião, e embainhar essa espada, porque está na presença da Nação, que nós somos, e representamos" - que faria o Rei, e que fariam os Corcundas, que só querem o Rei, e a Lei dada pelo Rei? No Código Penal, que o Rei acabava de dar, havia uma frase de Latim mais puro que o de Cícero, e Petrónio Árbitro, que dizia - "Cum ligno troncudo" - isto é - um arroxo de um pau, com seus nozinhos, pegavam nele e esmigalhavam os ossos aos treze beneméritos do Porto, pegavam no pergaminho, e alimpavam….. e como ainda no Douro não haveria tantas vinhas, beberiam do que houvesse, e diriam - Viva o Rei, e viva a Carta que o Rei dá, porque os Corcundas não querem outra coisa!".

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