sábado, setembro 09, 2006

Os sabios conselhos do Gustave Thibon

O texto completo pode-se ler aqui.

“As uniões entre pessoas de meios geográficos, culturais ou profissionais muito diferentes, multiplicam-se cada vez mais. […] Di-lo-ei claramente: esta confusão não significa um progresso. A identidade do meio social parece-me uma das condições centrais da felicidade conjugal. Não quer isto dizer que eu afaste de um modo absoluto as uniões entre pessoas de diferentes meios. Penso unicamente que devem constituir uma exceção: exigem, de todos os modos, qualidades individuais que não se podem pedir à generalidade dos homens. Sempre que um homem e uma mulher entram, através do casamento, para um meio superior ou simplesmente estranho ao seu, é preciso que entrem subindo (hoje há uma tendência excessiva para entrar em toda parte no mesmo plano) e que superem pelo poder do amor e da adaptação a comunhão espontânea que resulta da identidade do meio. Um príncipe só poderá desposar com acerto uma pastora se essa pastora tiver uma alma de princesa, o que, em boa verdade, não é excessivamente freqüente. Uma das taras do mundo moderno é pretender fazer um costume do que só pode constituir exceção, e cair abaixo da norma ao querer generalizar o que está acima da norma.
Numa união entre indivíduos do mesmo meio, os hábitos, os gostos, as necessidades comuns ― todo esse complexo de elementos bio-psicológicos imponderáveis que constituem o que vulgarmente se chama costume ― contribui para fortalecer a harmonia. No caso contrário, todo o peso do passado dos dois esposos tende, de alguma maneira, a desuni-los. É difícil prever até que ponto determinado comportamento material ou moral, perfeitamente natural num dado meio social, se poderá tornar um fator de perturbação e de escândalo noutro meio diferente.
[…]
Poder-me-ão dizer que basta o afeto recíproco dos esposos para suprir todos os vínculos climatéricos, se assim lhes podemos chamar, e que o amor, possuindo todos os poderes, tem também todos os direitos. E eu peço então licença para refletir um pouco. Só conheço um amor que seja todo poderoso: aquele de que fala São João na sua definição de Deus: Deus est charitas. E, além disso, coisa curiosa, sempre notei que, quanto mais um homem proclama os direitos absolutos do amor, menos o amor opera nele milagres, e mais provável é que os seus amores acabem mal. É precisamente quando o amor julga ter todos os direitos que ele tem menos poder. E isto deve incitar-nos a procurar o que se esconde, na maioria dos casos, sob o belo nome de amor. E isso nos levará a falar das determinantes propriamente psicológicas da escolha nupcial.
[…]
No presente caso, eu poderia afirmar, se tivesse o gosto dos paradoxos verídicos como Chesterton, que não conheço nada menos conveniente que um casamento chamado «de conveniência», e nada mais egoísta do que um casamento chamado «de amor».
[…]
Dei-me ao trabalho de acompanhar na minha região alguns casos típicos de casamento de conveniência e de casamento de amor. No primeiro caso, tratava-se de jovens que se casavam quase sem se conhecerem, porque a situação moral e material das suas famílias era sensivelmente idêntica e porque tinha passado por ali um desses benévolos casamenteiros que abundam nos nossos campos. No segundo caso, os jovens casavam-se por pura inclinação recíproca, sem intermediários familiares, e muitas vezes mesmo contra a vontade das suas famílias. Pois bem. Enquanto que a maior parte dos «casamento de conveniência» davam origem a lares sãos e sólidos, era sobretudo entre os casamentos chamados «de amor» que se observavam os resultados pessoais e familiares mais negativos: esterilidades voluntária, desentendimento ou separação dos esposos, etc.
[…]
Seja-me permitida, a este respeito, uma pequena digressão histórica. Nas épocas clássicas, as instituições morais, políticas ou religiosas, estavam acima dos indivíduos que as representavam e levavam atrás de si. A monarquia era mais do que o rei, o sacerdócio mais do que o padre. Isso explica que fosse então possível darem-se ao luxo de desprezar determinado rei ou determinado Papa, sem que o próprio princípio da monarquia fosse de modo algum posto em causa. Recordemo-nos, por exemplo, das invectivas duma santa, como Catarina de Sena, contra o clero do seu tempo, ou de um grande católico como Dante, que punha o Papa então reinante no inferno. Agora, como em todas as épocas de decadência, assistimos ao fenômeno inverso: as instituições só são toleradas e amadas através das pessoas: eis porque, seja dito de passagem, temos necessidade, mais do que nunca, de chefes políticos e religiosos íntegros e enérgicos. Agora mais do que nunca, o chefe que falta á sua missão, compromete a par da sua efêmera pessoa, o princípio eterno que representa. É um tanto ou quanto angustioso ver indivíduos fracos carregar sobre os seus ombros todo o peso das responsabilidades sociais. […] Ah! Cada dia se torna mais difícil separar a causa das instituições da causa das pessoas ...”

Gustave Thibon, O Que Deus Uniu

(RCS)

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