À semelhança do Padre António
Vieira, da Companhia de Jesus, o Padre Manuel Bernardes, da Congregação do
Oratório, é um dos grandes mestres da língua portuguesa; porém, a obra do
oratoriano, de natureza eminentemente espiritual, desprovida da dimensão
político-social da do jesuíta, tem vindo progressivamente a cair num injusto
olvido, e tanto mais que, para além da mestria formal da escrita de Bernardes,
a doutrina por ele transmitida se encontra solidamente escorada na tradição
católica, demonstrando-o bem o trecho que abaixo passo a transcrever, pela sua
temática, de absoluta actualidade.
Que avisos servirão aos concubinários para deixarem seu mau estado, e
não tornarem a se implicar nele?
Responde-se, primeiramente: Importa que a pessoa que anda neste
miserabilíssimo cativeiro aprenda e conheça bem o evidente perigo de sua
condenação eterna em que vive. Tenha por certo que o Demónio lhe tapa os olhos
da alma para que não lhe entre algum raio da luz do Céu, com que descubra estas
verdades, e assim faça quantas diligências puder por olhar para si e dar lugar
à luz da fé e da razão; porque deste conhecimento próprio depende o princípio
do seu remédio. Que temeridade seria se um homem se pendurasse de um delgado fio,
dentro de um poço profundíssimo?
Pois diz-me, homem desatinado, que fio pode haver mais quebradiço e fraco que o
da vida humana? Ou que poço mais profundo que o do Inferno? Tu bem poderás não
considerar estas verdades: mas negá-las não podes, ainda que queiras, pois são
de fé. É de fé que hoje e agora, logo podes morrer; é de fé que se morres nesse
estado, vás a pique ao Inferno, e que uma vez caído dentro, não tens remédio
enquanto Deus for Deus. Pois diz-me: como te atreves a viver no estado em que
não te atreves a morrer: Quomodo vivere non times, ubi mori non audes? De quem
te fias, néscio? De ti não, porque tu não te podes valer para que vivas mais,
ou para que morrendo não te condenes. Do mundo não, porque também te não pode
ajudar nem na morte, nem no Inferno; e quem pudera, não se lhe dá de ti, nem de
ti se lembra. Do Demónio a quem serves, também isso não está na sua mão: e ele
é o que mais deseja levar-te, e já o teria feito, se Deus lhe desse licença. De
Deus, Ele está em grave ódio contigo, porque O ofendes e desprezas, nem te deu
palavra de que morrerás só quando estiveres convertido. Pois de quem tem fias,
néscio e insensato?
Oh
que este Senhor é de infinita misericórdia e fácil de perdoar, e conhece nossa
fraqueza. Tudo isto concedo, mas que inferes daí? A misericórdia Divina é
infinita em si, mas não é infinita em todos os seus efeitos; assim como o
tesouro de um rei é grande, mas daí não se segue que dá quantas esmolas que
cabem na posse desse tesouro. Bem pode a misericórdia de Deus salvar todo o
mundo, e contudo é de fé que a maior parte do mundo não se salva: Multi enim
sunt vocati, pauci vero electi. Pois porventura deixa por isso de ser a
misericórdia de Deus infinita, ou deixam os maus e obstinados de ir ao Inferno?
Deus perdoará, se quiser, por sua bondade livre; e não perdoará, se não quiser,
por sua vontade justa. Perdoará se te converteres; mas se te não converteres,
como esperas que te perdoe? Ele sabe a tua fraqueza: Ipse cognovit figmentum
nostrum; mas também conhece a tua malícia: Pravum est cor hominis, quis
cognoscet illud? Ego Dominus scrutans cor, et probans renes qui do unicuique
juxta viam suam; e conhece a ajuda que tens na sua graça; e se tu enjeitas a
sua graça, que ajuda a tua fraqueza, já és fraco, porque o queres ser, que é o
mesmo que seres malicioso. Logo, a tua esperança é falsa, pois se funda só na
tua apreensão e no desejo dissimulado de que Deus te deixe pecar quanto quiseres
e depois te salve, ainda que não queiras.
(…)
E
como isto são delírios de frenético, não seria acertado responder-lhes. Mas
porque tão-pouco o seria desprezar estas almas, pois ainda podem tornar em si,
apontarei aqui as diligências que se hão-de aconselhar a tais desesperados.
1.
Cheguem-se muitas vezes ao confessor, ainda que os não absolva.
2.
Rezem o Rosário, Coroa ou Terço à Virgem Senhora Nossa todos os dias, ainda que
vá mal rezado.
3.
Dêem esmolas com afecto de compaixão do pobre, e mandem dizer missas por
remissão dos seus pecados.
4.
Ouçam a palavra de Deus e leiam vidas de Santos, ainda que lhes custe
repugnância e tormento da consciência.
5.
Sirvam na Irmandade do Santíssimo Sacramento, honrando-o, acompanhando-o e
despendendo para o seu culto, porque é culto do Senhor.
6.
Travem amizade com pessoas que estão em fama de que agradam a Deus, e as sirvam
e ajudem no que puderem.
7.
Se houver ocasião de fazer ausência por causa de qualquer negócio, voto, ou
romaria, não a percam.
8.
Olhem devotamente para a Imagem de algum Crucifixo, fazendo por compadecer-se
de suas penas, e digam: Misere mihi misero, misericordiosissime Deus: Havei misericórdia
deste miserável, ó Deus misericordiosíssimo.
9.
Leiam alguns exemplos horríveis nesta matéria, que não faltam pelos livros(…).
Padre Manuel Bernardes, in “Armas da
Castidade”, Porto, Lello & Irmão, s/d, páginas 144 a 148.
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