domingo, maio 13, 2012

A Glória de Maria, Mãe de Deus


Vê-se Maria, quando vê a Deus, infinitamente vencida da imensidade de sua glória; mas como é glória, não de outrem, senão de seu Filho: Sua progenies, o ver-se vencida dele é a sua vitória e a sua palma: Cum palmam præripit ipsi. Nas outras contendas a palma é do vencedor, mas quando contende o filho com o pai ou com a mãe, a palma é do pai ou da mãe vencida; porque a sua maior glória é ter um filho que a vença nela.

Este dia da Senhora da Glória chama-se também da Senhora da Palma; porque, como é tradição dos que assistiram a seu glorioso trânsito, o anjo embaixador de seu Filho, que lhe trouxe a alegre nova, lhe meteu juntamente na mão uma palma, com a qual, como vencedora da Morte e do Mundo, entre as aclamações e vivas de toda a corte beata, entrasse triunfante no Céu. Subi, Senhora, subi, subi ao trono da glória que vos está aparelhado sobre todas as jerarquias, que lá vos espera outra palma infinitamente mais gloriosa. E que palma? Não aquela com que venceis em glória a todos os espíritos bem-aventurados, senão aquela com que na mesma glória sois vencida de vosso filho: Cum palmam præripit ipse sua progenies. Grande glória da Senhora é, como lhe canta a Igreja, ver-se exaltada no Céu sobre todos os coros e jerarquias dos espíritos angélicos; grande glória que os principados e potestades que os querubins e serafins lhe ficam muito abaixo, e que no lugar, na dignidade, na honra, na glória excede incomparavelmente a todos; porém o ver que neste mesmo excesso de glória é excedida infinitamente de seu Filho; isso é o de que naquele mar imenso de glória mais se gloria, isto é o de que naquele verdadeiro paraíso dos deleites eternos mais a deleita: Maiorque voluptas hinc oritur, quam si reliquos præverteret omnes.

(…)

Te volentem, gaudentemque vincit. Venceu-nos vosso Filho na glória, Virgem Mãe, mas muito por vossa vontade e por vosso gosto; porque esse mesmo excesso de glória por ser sua, é o que mais quereis e de que mais vos gozais: Genere ex te, honore supra te. A sua honra, a sua grandeza, a sua majestade, a sua glória imensa e infinita, é muito sobre vós, porque ele é Deus, e vós criatura: Honore supra te; mas a geração desse mesmo Deus, que é tanto sobre vós, é de vós: Genere ex te. E que se segue de aqui? Segue-se que tendes o que não podíeis ter, e que toda a glória sua, começa também a ser vossa: Etiam tuum esse coepit, quod in te esse non potuit. Vós não podíeis ser Deus, mas como Deus pode fazer que fôsseis sua Mãe, tudo o que não podíeis ter em vós, tendes nele. Ele é maior que vós, e vós menor: Minor est: mas tudo o que tem de maior, (que é tudo) não só o tem para si senão também para vós: Non tantum sibi, sed tibi, ultra te.

Oh quem pudera declarar dignamente a união destes termos, ultra te et tibi! Enquanto a glória de Deus é infinita e imensa, estende-se muito além de vós: Ultra te; mas em quanto é glória de vosso Filho, toda se contrai e reflecte a vós: Tibi. Para os raios do sol fazerem reflexão, é necessário que tenham limite onde parem; mas a glória da Divindade de vosso Filho, que não tem nem pode ter limite, por isso se limitou à Humanidade que recebeu de vós, para reflectir sobre vós, nascendo de vós: Ea compensatione, ut nasceretur. E chama-se este nascer de vós compensação ou recompensa com que Deus vos compensou toda a grandeza e glória, que tem mais que vós; porque, nascendo de vós, é vosso verdadeiro Filho; e sendo toda essa glória de vosso Filho, também é vossa, e vossa naquela parte onde a tendes por melhor: Optimam partem elegit.

(…)

Dois tronos há no Céu mais sublimes que todos: o de Deus e o de sua Mãe; o de Deus infinitamente mais alto que o de sua Mãe, e o de sua Mãe infinitamente mais alto que o de todas as criaturas. Mas a maior glória. de Maria, não consiste em que o seu trono exceda o de todas as jerarquias criadas, senão em ter um Filho cujo trono exceda infinitamemte o. Este é o parabém que no Céu lhe estão dando hoje e lhe darão por toda a, eternidade todos os espíritos bem-aventurados, sem haver em todos os coros de homens e anjos quem diga nem possa. dizer outra cousa, senão: Thronus ejus super thronum tuum. Vence Maria no Céu a. todas as Virgens, na glória que se deve à pureza.; a todos os confessores, na que se deve à humildade; a todos os mártires, na que se deve à paciência; todos os apóstolos, patriarcas e profetas, na que se deve à Fé, à Religião, ao zelo e culto da honra de Deus. Mas assim os confessores como as virgens, assim os mártires como os apóstolos, assim os patriarcas como os profetas, deixadas todas essas prerrogativas em que gloriosamente se vêem vencidos, os louvores e euges eternos com que exaltam a Gloriosíssima Mãe, é ser inferior o seu trono ao de seu Filho: Thronus ejus super thronum tuum. Vence Maria a todos os, anjos e arcanjos, a todos os principados e potestades, a todos os querubins e serafins, na virtude, no poder, na ciência, no amor, na graça, na glória. Mas todos estes espíritos angélicos, passando em silêncio os outros dons sobrenaturais que tocam a cada urna das jerarquias, em que veneram e reconhecem a soberana superioridade com que a Senhora, como rainha de todas, incomparavelmente as excede; todos, como tão discretos e entendidos o que só dizem e sabem dizer; o que sobre tudo admiram e apregoam, é: Thronus ejus super thronum tuum. Assim que, homens e anjos, unidos no mesmo conceito e enlevados no mesmo pensamento, o que cantam, o que louvam, o que celebram, prostrados diante do trono da segunda Majestade da Glória, e os vivas que lhe dão concordemente, é ser Mãe de um Filho que, excedendo ela a todos em tão sublime grau na mesma glória, ele a vence e excede infinitamente. E isto é o que, divididos em dois coros de inumeráveis vozes e unidos em urna só voz, aplaudem, aclamam, festejam, e tudo o mais calam, conformando-se nesta eleição com a parte da mesma glória que a Senhora elegeu por melhor: Optimam partem elegit.

Padre António Vieira, in “Sermão da Glória de Maria, Mãe de Deus”, pregado na Igreja de Nossa Senhora da Glória, em Lisboa, no ano de 1644

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