Porque a verdade não é determinada através votações parlamentares
participadas por deputados, em parte não despicienda, imaturos, inexperientes e
no limiar da iliteracia funcional. Da Nota intitulada “Considerações sobre os projectos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais”, da
Congregação para a Doutrina da Fé, aprovada em 28/03/2003 pelo Papa João Paulo
II, subscrita e publicada em 03/06/2003 pelo então Cardeal Ratzinger (futuro Papa Bento
XVI) (destaques meus):
O ensinamento da Igreja sobre o matrimónio e sobre a
complementaridade dos sexos propõe uma verdade, evidenciada pela recta razão e
reconhecida como tal por todas as grandes culturas do mundo. O matrimónio não é
uma união qualquer entre pessoas humanas. Foi fundado pelo Criador, com uma sua
natureza, propriedades essenciais e finalidades. Nenhuma ideologia pode
cancelar do espírito humano a certeza de que só existe matrimónio entre duas
pessoas de sexo diferente, que através da recíproca doação pessoal, que lhes é
própria e exclusiva, tendem à comunhão das suas pessoas. Assim se aperfeiçoam
mutuamente para colaborar com Deus na geração e educação de novas vidas.
A verdade natural sobre o matrimónio foi confirmada pela
Revelação contida nas narrações bíblicas da criação e que são, ao mesmo tempo,
expressão da sabedoria humana originária, em que se faz ouvir a voz da própria
natureza. São três os dados fundamentais do plano criador relativamente ao
matrimónio, de que fala o Livro do Génesis.
Em primeiro lugar, o homem, imagem de Deus, foi criado «homem
e mulher» (Gn 1, 27). O homem e a mulher são iguais enquanto pessoas e
complementares enquanto homem e mulher. A sexualidade, por um lado, faz parte
da esfera biológica e, por outro, é elevada na criatura humana a um novo nível,
o pessoal, onde corpo e espírito se unem.
Depois, o matrimónio é instituído pelo Criador como forma de
vida em que se realiza aquela comunhão de pessoas que requer o exercício da
faculdade sexual. «Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe e unir-se-á
à sua mulher e os dois tornar-se-ão uma só carne» (Gn 2, 24).
Por fim, Deus quis dar à união do homem e da mulher uma
participação especial na sua obra criadora. Por isso, abençoou o homem e a
mulher com as palavras: «Sede fecundos e multiplicai-vos» (Gn 1, 28). No plano
do Criador, a complementaridade dos sexos e a fecundidade pertencem, portanto,
à própria natureza da instituição do matrimónio.
Além disso, a união matrimonial entre o homem e a mulher foi
elevada por Cristo à dignidade de sacramento. A Igreja ensina que o matrimónio
cristão é sinal eficaz da aliança de Cristo e da Igreja (cf. Ef 5, 32). Este
significado cristão do matrimónio, longe de diminuir o valor profundamente
humano da união matrimonial entre o homem e a mulher, confirma-o e fortalece-o
(cf. Mt 19, 3-12; Mc 10, 6-9).
Não existe nenhum
fundamento para equiparar ou estabelecer analogias, mesmo remotas, entre as
uniões homossexuais e o plano de Deus sobre o matrimónio e a família. O
matrimónio é santo, ao passo que as relações homossexuais estão em contraste
com a lei moral natural. Os actos homossexuais, de facto, «fecham o acto sexual
ao dom da vida. Não são fruto de uma verdadeira complementaridade afectiva e
sexual. Não se podem, de maneira nenhuma, aprovar».
(…)
Em presença do
reconhecimento legal das uniões homossexuais ou da equiparação legal das mesmas
ao matrimónio, com acesso aos direitos próprios deste último, é um dever
opor-se-lhe de modo claro e incisivo. Há que abster-se de qualquer forma de
cooperação formal na promulgação ou aplicação de leis tão gravemente injustas
e, na medida do possível, abster-se também da cooperação material no plano da
aplicação. Nesta matéria, cada qual pode reivindicar o direito à objecção de
consciência.
(…)
A
função da lei civil é certamente mais limitada que a da lei moral. A lei civil,
todavia, não pode entrar em contradição com a recta razão sob pena de perder a
força de obrigar a consciência. Qualquer lei feita pelos homens tem razão de
lei na medida que estiver em conformidade com a lei moral natural, reconhecida
pela recta razão, e sobretudo na medida que respeitar os direitos inalienáveis
de toda a pessoa. As legislações que favorecem as uniões homossexuais são
contrárias à recta razão, porque dão à união entre duas pessoas do mesmo sexo
garantias jurídicas análogas às da instituição matrimonial. Considerando os
valores em causa, o Estado não pode legalizar tais uniões sem faltar ao seu
dever de promover e tutelar uma instituição essencial ao bem comum, como é o
matrimónio.
Poderá perguntar-se como pode ser
contrária ao bem comum uma lei que não impõe nenhum comportamento particular,
mas apenas se limita a legalizar uma realidade de facto, que aparentemente
parece não comportar injustiça para com ninguém. A tal propósito convém
reflectir, antes de mais, na diferença que existe entre o comportamento
homossexual como fenómeno privado, e o mesmo comportamento como relação social
legalmente prevista e aprovada, a ponto de se tornar numa das instituições do
ordenamento jurídico. O segundo fenómeno, não só é mais grave, mas assume uma
relevância ainda mais vasta e profunda, e acabaria por introduzir alterações na
inteira organização social, que se tornariam contrárias ao bem comum. As leis
civis são princípios que estruturam a vida do homem no seio da sociedade, para
o bem ou para o mal. «Desempenham uma função muito importante, e por vezes
determinante, na promoção de uma mentalidade e de um costume». As formas de
vida e os modelos que nela se exprimem não só configuram externamente a vida
social, mas ao mesmo tempo tendem a modificar, nas novas gerações, a
compreensão e avaliação dos comportamentos. A legalização das uniões
homossexuais acabaria, portanto, por ofuscar a percepção de alguns valores
morais fundamentais e desvalorizar a instituição matrimonial.
(…)
Nas uniões homossexuais estão totalmente
ausentes os elementos biológicos e antropológicos do matrimónio e da família,
que poderiam dar um fundamento racional ao reconhecimento legal dessas uniões.
Estas não se encontram em condição de garantir de modo adequado a procriação e
a sobrevivência da espécie humana. A eventual utilização dos meios postos à sua
disposição pelas recentes descobertas no campo da fecundação artificial, além
de comportar graves faltas de respeito à dignidade humana, não alteraria
minimamente essa sua inadequação.
Nas uniões homossexuais está totalmente
ausente a dimensão conjugal, que representa a forma humana e ordenada das
relações sexuais. Estas, de facto, são humanas, quando e enquanto exprimem e
promovem a mútua ajuda dos sexos no matrimónio e se mantêm abertas à
transmissão da vida.
Como a experiência confirma, a falta da bipolaridade sexual cria obstáculos
ao desenvolvimento normal das crianças eventualmente inseridas no interior
dessas uniões. Falta-lhes, de facto, a experiência da maternidade ou paternidade.
Inserir crianças nas uniões homossexuais através da adopção significa, na
realidade, praticar a violência sobre essas crianças, no sentido que se
aproveita do seu estado de fraqueza para introduzi-las em ambientes que não
favorecem o seu pleno desenvolvimento humano. Não há dúvida que uma tal prática
seria gravemente imoral e pôr-se-ia em aberta contradição com o princípio
reconhecido também pela Convenção internacional da ONU sobre os direitos da
criança, segundo o qual, o interesse superior a tutelar é sempre o da criança,
que é a parte mais fraca e indefesa.
(…)
Em defesa da legalização das uniões
homossexuais não se pode invocar o princípio do respeito e da não discriminação
de quem quer que seja. Uma distinção entre pessoas ou a negação de um
reconhecimento ou de uma prestação social só são inaceitáveis quando contrárias
à justiça. Não atribuir o estatuto social e jurídico de matrimónio a formas de
vida que não são nem podem ser matrimoniais, não é contra a justiça; antes, é
uma sua exigência.
Nem tão pouco se pode razoavelmente
invocar o princípio da justa autonomia pessoal. Uma coisa é todo o cidadão
poder realizar livremente actividades do seu interesse, e que essas actividades
que reentrem genericamente nos comuns direitos civis de liberdade, e outra
muito diferente é que actividades que não representam um significativo e
positivo contributo para o desenvolvimento da pessoa e da sociedade possam
receber do Estado um reconhecimento legal específico e qualificado. As uniões
homossexuais não desempenham, nem mesmo em sentido analógico remoto, as funções
pelas quais o matrimónio e a família merecem um reconhecimento específico e
qualificado. Há, pelo contrário, razões válidas para afirmar que tais uniões
são nocivas a um recto progresso da sociedade humana, sobretudo se aumentasse a
sua efectiva incidência sobre o tecido social.
(…)
Se todos os
fiéis são obrigados a opor-se ao reconhecimento legal das uniões homossexuais,
os políticos católicos são-no de modo especial, na linha da responsabilidade
que lhes é própria. Na presença de projectos de lei favoráveis às uniões
homossexuais, há que ter presentes as seguintes indicações éticas.
No caso que se
proponha pela primeira vez à Assembleia legislativa um projecto de lei
favorável ao reconhecimento legal das uniões homossexuais, o parlamentar
católico tem o dever moral de manifestar clara e publicamente o seu desacordo e
votar contra esse projecto de lei. Conceder o sufrágio do próprio voto a um texto
legislativo tão nocivo ao bem comum da sociedade é um acto gravemente imoral.
No caso de o
parlamentar católico se encontrar perante uma lei favorável às uniões
homossexuais já em vigor, deve opor-se-lhe, nos modos que lhe forem possíveis,
e tornar conhecida a sua oposição: trata-se de um acto devido de testemunho da
verdade.
(…)
A Igreja ensina que o respeito para com as
pessoas homossexuais não pode levar, de modo nenhum, à aprovação do
comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal das uniões homossexuais. O
bem comum exige que as leis reconheçam, favoreçam e protejam a união
matrimonial como base da família, célula primária da sociedade. Reconhecer
legalmente as uniões homossexuais ou equipará-las ao matrimónio, significaria,
não só aprovar um comportamento errado, com a consequência de convertê-lo num
modelo para a sociedade actual, mas também ofuscar valores fundamentais que
fazem parte do património comum da humanidade. A Igreja não pode abdicar de
defender tais valores, para o bem dos homens e de toda a sociedade.