domingo, setembro 12, 2004

A sabedoria de Dom António de Castro Mayer - 2

66 - Proposição falsa: No actual estágio da evolução da sociedade humana, o Estado tomou consciência maior de sua própria autonomia, pelo que já não lhe é mais possível manter com a Igreja relações tão intimas quanto outrora. Ao antigo Estado farisaicamente cristão, deve suceder, na futura Cristandade, um Estado vitalmente cristão, isto é, animado pelo espírito evangélico, fruto da colaboração de todas as religiões cristãs, seja mais ou menos densa a mensagem de cada qual, mas sem que haja por parte do governo especial proteção para qualquer uma delas.

Proposição verdadeira: O Estado tem por fim próprio prover o bem temporal, e em sua esfera é soberano. A Igreja, tutora do direito natural em todo o orbe, tem o direito de ver respeitadas as suas leis e doutrinas pelos poderes públicos temporais. O Estado deve declarar-se oficialmente católico, deve pôr ao serviço da preservação e expansão da Fé todos os seus recursos.

Explanação: A sentença impugnada leva logicamente à doutrina da separação entre a Igreja e o Estado, condenada pelo Syllabus (prop. 55, D. 1755), e novamente proscrita por Leão XIII na encíclica "Imortale Dei" e pelo Bem-aventurado Pio X na encíclica "Vehementer" (…). Além disso a sentença impugnada contém várias outras noções inaceitáveis. No rigor da expressão, dir-se-ia que o regime de união entre a Igreja e o Estado, como existiu na Idade Média, representava uma fase incipiente ou intermediária, que os povos, movidos pela força imanente da evolução, teriam superado. Ora, a Igreja não admite o determinismo histórico evolucionista, que contém a negação do livre arbítrio e da Providência divina. E igualmente não admite que as condições da humanidade tenham superado um regime de relações logicamente deduzido da Revelação e da ordem natural das coisas.

Menos ainda pode a Igreja admitir que tal evolução se dê no sentido do indiferentismo religioso, de tal sorte que numa futura cristandade, o progresso do Estado devesse consistir na equiparação de todas as religiões cristãs.

(…)

Merecem ainda reparo as palavras "cristandade", "farisaico", "vital". Uma cristandade é uma ordem temporal de coisas, baseada na doutrina de Jesus Cristo. Se só a Igreja Católica ensina esta doutrina de modo genuíno, como pode uma cristandade organizar-se a igual distância do que ensina a Igreja e do que pregam as seitas heréticas? Um exemplo concreto. Se tal cristandade admitisse o divórcio, a organização da família seria cristã? E se o rejeitasse, poder-se-ia dizer inspirada tanto pela doutrina católica, quanto pela das seitas cristãs divorcistas?

De outro lado, parece que a palavra "farisaico" soa como uma injúria à Igreja. Se o regime de união da Igreja e do Estado foi sempre o único aceite pela Igreja; se, a despeito de irregularidades aqui e acolá, foi ele aprovado, mantido, praticado por tantos Papas, por tantos Reis elevados à honra dos altares, como conceber que este regime seja susceptível de ser qualificado de "farisaico", sem daí inferir consequências das mais injuriosas para a Santa Sé e para tantos Santos?

Quanto a "vital", que quer ao certo dizer esta expressão? Vital significa normalmente o que tem vida. Não foi vitalmente cristã a civilização nascida nas mãos da Igreja na Idade Média? Há esperanças de que seja vitalmente cristão o Estado interconfessional da cristandade futura?

Para terminar esta nota, seria conveniente lembrar que o regime de união entre a Igreja e o Estado traz como característica necessária a maior independência da Igreja em relação ao poder civil, em tudo quanto seja de alçada espiritual ou mista. Principalmente nos Tempos Modernos, este regime foi deformado por crescentes invasões do Estado na esfera eclesiástica. Cumpre censurar absolutamente tais invasões, reivindicar a liberdade da Igreja, mas não renunciar ao princípio da sua união com o Estado. E quando em algum país a desgraça das circunstâncias é tão profunda, que a separação constitui um mal menor do que a união, que necessariamente seria deformada, é preciso temer por esse país. Pois nada do que se separa de Deus e da sua Igreja tem possibilidade de se manter por muito tempo. Um dos piores efeitos da separação entre a Igreja e o Estado - mesmo quando um mal menor - é a deformação produzida na mentalidade popular que se habitua a considerar num plano absolutamente naturalista a vida temporal. Formam-se assim mentalidades profundamente laicizadas, e é forçoso confessar que à vista deste teor de relações é muito difícil plasmar a alma de todo um povo numa concepção reta da subordinação da vida temporal ao serviço de Deus.

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