sexta-feira, setembro 10, 2004

A sabedoria de Dom António de Castro Mayer 1

A "Carta Pastoral sobre Problemas do Apostolado Moderno contendo um Catecismo de Verdades Oportunas que se opõem a Erros Contemporâneos" (1953) é um dos mais notáveis documentos que a tradição católica produziu no século XX: de autoria de Dom António de Castro Mayer, que exerceu o seu magistério, primeiramente, como Bispo de Campos, no Brasil, entre 1948 e 1981, e, depois, como superior da União Sacerdotal São João Maria Vianney (Padres de Campos), até à data da sua morte em 1991, nela se desmistificam uma por uma todas as falácias com que os modernistas, autênticos lobos vestidos com pele de cordeiro, tentam impor o seu domínio sobre a incauta cidade católica.

O método utilizado por Dom António é simples, de cunho notoriamente tomístico: num momento inicial, referencia uma proposição falsa; subsequente, enuncia, em réplica, a proposição verdadeira, explicando-a aos seus leitores. Vejamos um exemplo prático disso com respeito à proposição 65 da Carta, primeira de algumas que julgamos de mais relevante interesse para publicação neste espaço:

"Proposição falsa: O católico deve ser homem do seu tempo e, como tal, deve aceitar sinceramente, sem segunda intenção as transformações e progressos por onde nosso século se diferencia dos anteriores.

Proposição verdadeira: O católico deve ser homem do seu tempo e, como tal, deve aceitar sinceramente as transformações e progressos por onde nosso século se diferencia dos anteriores, desde que tais transformações e progressos sejam conformes ao espírito e à doutrina da Igreja, e promovam da melhor maneira um civilização verdadeira cristã.

Explanação: A sentença impugnada é unilateral. Em face de qualquer época da História os católicos têm um duplo dever: de adaptação e de resistência. A sentença impugnada só cogita de adaptação.

Este duplo dever é fácil de ser compreendido. Nenhuma época houve em que todas as leis, instituições, costumes, modos de ver e sentir, merecessem só louvor ou só censura. Pelo contrário, existem sempre - nas épocas melhores como nas piores - coisas boas e coisas más. Em face do bem, encontre-se ele onde se encontrar, nossa atitude só pode ser aquela que o Apóstolo aconselha: provadas todas as coisas, tomar o que é bom. Em face do mal, devemos igualmente obedecer ao conselho do Apóstolo: "não vos queirais conformar com este século" (Rom. 12, 2).

Entretanto, convém aplicar com inteligência um e outro conselho. É excelente analisar todas as coisas e ficar com o que é bom. Mas devemos ter em mente que bom é o que concorda não só com a letra mas ainda com o espírito. Bom não é aquilo que favorece a um tempo a virtude e o vício. Mas o que favorece sempre e unicamente a virtude. Assim, quando um costume não é reprovável em si mesmo, mas cria uma atmosfera favorável ao mal, a prudência manda rejeitá-lo. Quando uma lei favorece a única Igreja verdadeira, mas ao mesmo tempo também favorece a heresia ou a incredulidade, merece ser combatida.

A resistência ao século também tem que ser feita com prudência, isto é, não deve ficar nem aquém nem além do seu fim. Exemplo de resistência ininteligente ao século, de apego a formas mutáveis e sem maior importância intrínseca, temo-lo na volta ao "altar em forma de mesa". É uma resistência que vai muito além do seu fim, que é a defesa da Fé. De outro lado, a resistência ao século não deve ficar aquém de se seu objectivo. Não pode consistir em mera doutrinação sem aplicação concreta às circunstâncias do momento. Nem em protestos platónicos. É preciso doutrinar, é preciso conhecer os fatos do dia em toda a sua realidade viva e palpitante, é preciso organizar a ação para intervir a fundo no curso dos acontecimentos.

Por fim, é necessário lembrar que a fisionomia de uma época não pode ser decomposta em aspectos bons e maus reciprocamente autónomos. Toda a época tem uma mentalidade que resulta a um tempo dos aspectos bons e maus. Se aqueles forem preponderantes e estes se referirem apenas a aspectos secundários, a época, sem ser ótima, pode chamar-se boa. Se, pelo contrário, preponderarem os aspectos maus e o bem existir apenas em um ou outro pormenor, a época deve chamar-se má. No problema das relações entre o católico e o seu tempo, não baste que ele tome posição diante de aspectos fragmentários do mundo em que vive. Deve considerar a fisionomia do tempo em sua unidade moral profunda, e tomar posição diante dela. É sobretudo à vista deste princípio que se deve negar a sentença impugnada. Pois ela não nos fala da aceitação deste ou daquele aspecto do mundo contemporâneo, mas de sua unidade global.

(…)
".

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