Caro mea vere est cibus, et sanguis meus vere est potus. A primeira coisa que Cristo Senhor nosso nos certifica neste Evangelho é ser verdadeira comida o seu corpo, e verdadeira bebida o seu sangue. Onde se deve muito notar que não faz a força do que quer persuadir em ser verdadeiramente seu corpo o que se nos dá debaixo das espécies de pão, nem em ser verdadeiramente seu sangue o que se consagra debaixo das espécies do vinho, senão em que esse corpo e esse sangue é verdadeiramente mantimento nosso. E por que razão? Porque é propriedade e natureza geral de todo o mantimento converter-se na substância de quem o come; e como Cristo só neste Sacramento assiste real e presencialmente, e nos outros não, por isso também só neste se nos quis dar em forma de mantimento, para que entendêssemos que o fim de o instituir não só fora para nos comunicar sua graça, como nos outros sacramentos, senão para se unir a si mesmo connosco, e a nós consigo. O mesmo Senhor se declarou e o disse logo: Qui manducat meam carnem et bibit meum sanguinem, in me manet, et ego in illo. Sabeis por que digo que o meu corpo é verdadeira comida, e o meu sangue verdadeira bebida? Porque, assim como o mantimento se converte na substância de quem o come, assim eu me quero transformar em vós, e vós em mim: de modo que vós, comungando, fiqueis em mim, e eu, sendo comungado, em vós: In me manet, et ego in ilIo. E porque nesta união e transformação de dois que somos, se há-de fazer um só, este um qual há-de ser? Não haveis de ser vós, senão eu, diz o mesmo Cristo. E assim continua o texto Santo Agostinho: Nec tu me mutabis in te, sicut cibum carnis tuae, sed tu mutaberis in me. De sorte que, assim como nos desposórios de Cristo com Teresa, de dois que eram, se transformaram em um só, e este um, depois de transformados, não era principalmente Teresa, senão Cristo que nela vivia: Vivit vero in me Christus, assim na transformação do Sacramento, o que dignamente comunga, de tal modo fica unido e identificado com Cristo, que Cristo é o que nele vive.
O mesmo Evangelho o diz, e com o mesmo exemplo das Pessoas da Santíssima Trindade, com que declarei a união ou unidade do coração de Cristo com Teresa: Sicut misit me vivens Pater, et ego vivo propter Pater: et qui manducat me, et ipse vivet propter me: Assim como eu vivo pela vida de meu Padre, que me mandou ao mundo, assim quem me comunga verdadeiramente não vive pela sua vida, senão pela minha. Grande caso é que, querendo a sabedoria encarnada declarar o que tinha dito com algum exemplo, não achasse outro mais adequado e mais próprio que o da unidade e vida recíproca que há entre o mesmo Cristo e seu Eterno Padre: Vivit ergo per Patrem, comenta Santo Hilário, et quomodo per Patrem vivit, eodem modo nos per carnem ejus vivemus: Assim como entre o Padre e o Filho, enquanto Deus, há uma só vida, porque o Padre vive no Filho e o Filho no Padre, e um vive pela vida do outro, assim entre Cristo e o que comunga, posto que sejam dois, a vida é e há-de ser uma só, e não outra, senão a do mesmo Cristo: Et ipse vivet propter me. Vejam agora os que comungam se a vida que vivem é a sua ou a de Cristo, e daqui julgarão, pelos efeitos, se comungam como devem ou não.
Padre António Vieira, in “Sermão de Santa Teresa e do Santíssimo Sacramento”, pregado na Igreja da Encarnação, em Lisboa, no ano de 1644.
2 comentários:
Tenho gostado muito dos Sermões do Padre António Vieira que tem aqui colocado. Estes sermões estão disponíveis em algum livro? De onde os tem retirado?
Muito obrigado por tudo e especialmente por esta partilha destas palavras magníficas!
Nuno
Caro amigo, pessoalmente uso a edição dos "Sermões Completos", em 15 volumes, editada pela "Lello" no começo dos anos 50. É obra que adquiri num alfarrabista e que julgo estar há muito esgotada. Sem prejuízo, nas livrarias estão disponíveis colectâneas parciais dos principais sermões do Padre António Vieira, e boa parte dos mesmos também já pode ser consultada em linha. Experimente, por exemplo, fazer uma busca subordinada ao tema "Padre António Vieira Sermões".
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