Suposto, pois - dai-me agora uma breve atenção - suposto pois que tudo o que se tem dito, tudo o que se diz e tudo o que se pode dizer da glória que nos espera no céu é tanto menos, e tão pouco, e tão nada que sem encarecimento se pode chamar mentira, que havemos, ou que podemos fazer para saber verdadeiramente o que é e como é a glória? Não há nem pode haver mais que um só meio, mas esse muito certo e adequado. E qual é? Ir ao céu, e vê-la. Perguntaram uma vez a Cristo dois que queriam ser seus discípulos onde morava: Rabbi, ubi habitas? E o Senhor, que não tinha casa na terra, senão no céu - donde nunca saiu ainda quando veio ao mundo - que respondeu? Venite, et videte: Vinde, e vê-lo-eis. E sem irem e verem não o podiam saber? Não. Excelentemente Alcuíno e Beda: Ideo non dixit ubi habitaret, sed illos ut venirent et viderent invitavit, quia habitatio, idest gloria Christi, videri quidem potest, verbis explicare non potest: Não disse o Senhor onde morava aos que o queriam saber, e somente lhes respondeu que viessem e vissem: Venit et videte, porque a morada de Cristo é a glória, e o que é, e como é a glória, só se pode ver, mas não se pode dizer: Videri potest, explicari non potest. Isto é o que respondeu Cristo, e isto é o que eu digo e o que só podem dizer os pregadores sobre este assunto. Façamos muito por ir ao céu, e lá veremos o que é a glória: Venite, et videte: Vinde, e vê-lo-eis. E quando, por mercê de Deus, formos ao céu, e virmos verdadeiramente o que é a glória, então veremos e conheceremos também quão pouca semelhança tem de verdade quanto cá se diz e se ouve.
Quando a Rainha Sabá viu a corte e Casa Real de Salomão, não só admirada do que se via, mas, como diz o texto sagrado, quase desmaiada de pasmo, rompeu nestas palavras: Non credebam narrantibus mihi, donec ipsa veni et vidi oculis meis, et probavi quod media pars mihi nuntiata non fuerit: major est sapientia tua et opera tua, quam rumor quem audivi. Beati viri tui, et beati servi tui, qui stant coram te semper: Eu, sapientíssimo rei Salomão, quando estava nas minhas terras - diz a rainha - muitas coisas tinha ouvido da vossa sabedoria, da vossa grandeza, da vossa corte e da magnificência da vossa casa, às quais porém não dava crédito, por me parecerem incríveis; mas, depois que vim e as vejo com meus olhos, já tenho conhecido e provado que nem a metade se me tinha dito do que verdadeiramente é. Bem-aventurados os vossos servos, e bem-aventurados os vossos cortesãos, pois têm e gozam a felicidade de estar sempre em vossa presença. Parece que não pudera dizer mais se falara com Deus na glória. E se as grandezas da corte e casa de Salomão as não pode crer nem perceber uma rainha tão sábia, senão depois de vir e ver: donec ipsa veni et vidi - e se tudo o que tinha ouvido na sua terra não chegava a ser a metade do que agora via com seus olhos, que proporção e que semelhança pode ter o pouco ou nada que cá dizemos e ouvimos, com o muito, com o infinito, com o imenso da glória que lá vêem os que a gozam? Por isso o Senhor e Autor dela nos diz: Venite et videte: Vinde e vede.
Mas o mal e a desgraça é que todos querem ver, e há muito poucos que queiram vir. Todos querem ver e gozar a glória, mas há poucos que queiram vir e seguir a Cristo pelo caminho que ele nos veio ensinar para chegarmos a ela. Se o divino Mestre trocara os termos, e assim como disse: Venite et videte, dissera: Videte et venite, se fora possível e conveniente que primeiro se nos desse vista da glória, e depois se nos prometessem os meios de a conseguir, como é certo que não seria necessário que Deus nos chamasse ou rogasse, senão que nós mesmos, arrebatados daquela imensa formosura e felicidade incompreensível, não só com vontade e desejo, mas com ímpeto e violência romperíamos por todas as dificuldades da vida, e pela mesma vida e mil vidas por alcançar tanto bem. Porém, que merecimento seria então o da fé, que prémio o da esperança, e que valor o da caridade, sendo necessária, e não livre? Para maior bem do mesmo bem, e para maior aumento da mesma glória nos pede Deus primeiro os passos e depois nos promete a vista: Venite, et videte.
Padre António Vieira, in “Sermão da Segunda Dominga da Quaresma”, pregado na Capela Real, em Lisboa, no ano de 1651
Quando a Rainha Sabá viu a corte e Casa Real de Salomão, não só admirada do que se via, mas, como diz o texto sagrado, quase desmaiada de pasmo, rompeu nestas palavras: Non credebam narrantibus mihi, donec ipsa veni et vidi oculis meis, et probavi quod media pars mihi nuntiata non fuerit: major est sapientia tua et opera tua, quam rumor quem audivi. Beati viri tui, et beati servi tui, qui stant coram te semper: Eu, sapientíssimo rei Salomão, quando estava nas minhas terras - diz a rainha - muitas coisas tinha ouvido da vossa sabedoria, da vossa grandeza, da vossa corte e da magnificência da vossa casa, às quais porém não dava crédito, por me parecerem incríveis; mas, depois que vim e as vejo com meus olhos, já tenho conhecido e provado que nem a metade se me tinha dito do que verdadeiramente é. Bem-aventurados os vossos servos, e bem-aventurados os vossos cortesãos, pois têm e gozam a felicidade de estar sempre em vossa presença. Parece que não pudera dizer mais se falara com Deus na glória. E se as grandezas da corte e casa de Salomão as não pode crer nem perceber uma rainha tão sábia, senão depois de vir e ver: donec ipsa veni et vidi - e se tudo o que tinha ouvido na sua terra não chegava a ser a metade do que agora via com seus olhos, que proporção e que semelhança pode ter o pouco ou nada que cá dizemos e ouvimos, com o muito, com o infinito, com o imenso da glória que lá vêem os que a gozam? Por isso o Senhor e Autor dela nos diz: Venite et videte: Vinde e vede.
Mas o mal e a desgraça é que todos querem ver, e há muito poucos que queiram vir. Todos querem ver e gozar a glória, mas há poucos que queiram vir e seguir a Cristo pelo caminho que ele nos veio ensinar para chegarmos a ela. Se o divino Mestre trocara os termos, e assim como disse: Venite et videte, dissera: Videte et venite, se fora possível e conveniente que primeiro se nos desse vista da glória, e depois se nos prometessem os meios de a conseguir, como é certo que não seria necessário que Deus nos chamasse ou rogasse, senão que nós mesmos, arrebatados daquela imensa formosura e felicidade incompreensível, não só com vontade e desejo, mas com ímpeto e violência romperíamos por todas as dificuldades da vida, e pela mesma vida e mil vidas por alcançar tanto bem. Porém, que merecimento seria então o da fé, que prémio o da esperança, e que valor o da caridade, sendo necessária, e não livre? Para maior bem do mesmo bem, e para maior aumento da mesma glória nos pede Deus primeiro os passos e depois nos promete a vista: Venite, et videte.
Padre António Vieira, in “Sermão da Segunda Dominga da Quaresma”, pregado na Capela Real, em Lisboa, no ano de 1651
0 comentários:
Enviar um comentário