Pois que remédio para acrescentar a fazenda, útil, discreta, e muito seguramente? O remédio é muito fácil: dar da que tiverdes, por amor de Deus. De maneira que ambos os nossos pontos se vêem a resumir a Deus. Quereis ter pão? Servi a Deus. Quereis ter muito? Dai por amor de Deus. Pois o dar, o tirar a mim, é caminho de acrescentar? Antes parece caminho de diminuir. Se fora dar por amor dos homens, ou por outro respeito, sim, que era caminho de perder o que se dá; mas dar por amor de Deus, não há mais certa negociação, não há mais certo modo de ajuntar a fazenda. Vêde-o no nosso Evangelho. Unde ememus panes, ut manducent hi? Perguntou o Senhor onde achariam pão, para que comessem todos. Respondeu Santo André, que todos os pães que havia não passavam de cinco: Est puer unus hic, qui habet quinque panes; e com estes, sendo só cinco, quis Cristo dar de comer a todos. Pois, Senhor, não vêdes que tendes doze Discípulos que sustentar, e que os pães não são mais que cinco? Se tivésseis muito pão, então estavam bem essas liberalidades; mas sendo tão pouco? Antes por isso mesmo: se os Apóstolos tiveram doze pães, então não era necessário mais; porém como não tinham mais que cinco, era força buscar algum modo de os acrescentar; e não podia haver meio mais breve, nem mais certo, que dá-los aos pobres. E assim foi; que os Apóstolos, porque deram cinco pães, não só receberam doze pães, senão doze alcofas: Duodecim cophinos. Se os Apóstolos foram de ânimo avarento e acanhado, e quiseram comer os seus cinco pães, saíra menos de meio pão a cada um; mas porque cada um deu o seu pedaço de pão, ficou com uma alcofa cheia. Dizia o sábio falando de uma mulher sábia: Manum suam aperuit inopi, et palmas suas extendit ad pauperem: Abriu a mão, e estendeu as mãos. Mas porque, ou para que? Porque quando abris uma mão para dar por amor de Deus, é necessário abrir duas para receber; quando o que dais cabe numa mão, o que recebeis não cabe em duas. Assim lhes aconteceu hoje aos Apóstolos. O pão que deram (que era o que tocava a cada um) cabia em três dedos, e o que recolheu cada um, não cabia em duas mãos, por isso foi necessário tomarem alcofas: Duodecim cophinos.
Tudo temos em um caso do Testamento Velho. Acabado o dilúvio, sai Noé em terra com seus filhos, e todos os animais; e lançou-lhes Deus a bênção, dizendo: Crescite, et multiplicamini, super terram; Crescei, e multiplicai sobre a terra. E que fez Noé? Edificavit altare Domino, et tollens de cunctis pecoribus, et volucribus mundis obtulit holocausta: Levantou um altar, e começou a degolar todos os animais, de que era lícito fazer sacrifício, e queimou-os sobre ele. Parece que de repente se esqueceu aqui Noé do que Deus tinha dito e mandado. Não tinha dito Deus que crescessem, e multiplicassem sobre a terra todos os animais? Pois como os degola Noé e queima, e sacrifica sobre o altar. Olhai: Noé não matou as reses para as comer, matou-as para as oferecer e sacrificar a Deus; e para as coisas crescerem e multiplicarem, o meio mais certo e seguro, é dá-las a Deus.
E de que modo as daremos a Deus? Bendita seja sua infinita majestade e bondade, pois se serviu ensinar-nos por sua própria boca, o que nem imaginar nos atreveríamos: Quandiu fecistis uni ex his fratribus meis minimis, mihi fecistis: Tudo o que dais ao pobre, dai-lo a mim. Vêdes, cristãos, como podemos dar a Deus tudo: tudo o que damos ao pobre, damo-lo a Deus; e se quereis que as vossas coisas se cresçam, e se multipliquem, repartia-as com os pobres. Dois modos há no mundo, com que as coisas crescem, e se multiplicam muito; um natural, ou da arte, como na lavoura; outro industrial, como na mercancia. Na lavoura, semeais um alqueire de pão, colheis quinze, colheis vinte, e se a terra é muito boa, colheis trinta. Na mercancia, empregastes cinquenta, ganhastes cento, ganhastes duzentos, e às vezes mais. Tudo isto tendes na esmola. Dar esmolas é semear, e é negociar, mas com grandes vantagens. Para semear, não há melhor terra que a as mãos do pobre; e para negociar não há melhor correspondente que Deus. Não são considerações minhas, tudo é fé, e sagrada Escritura.
Padre António Vieira, in “Sermão da Quarta Dominga da Quaresma”, pregado na Matriz de São Luís do Maranhão, no ano de 1657
Tudo temos em um caso do Testamento Velho. Acabado o dilúvio, sai Noé em terra com seus filhos, e todos os animais; e lançou-lhes Deus a bênção, dizendo: Crescite, et multiplicamini, super terram; Crescei, e multiplicai sobre a terra. E que fez Noé? Edificavit altare Domino, et tollens de cunctis pecoribus, et volucribus mundis obtulit holocausta: Levantou um altar, e começou a degolar todos os animais, de que era lícito fazer sacrifício, e queimou-os sobre ele. Parece que de repente se esqueceu aqui Noé do que Deus tinha dito e mandado. Não tinha dito Deus que crescessem, e multiplicassem sobre a terra todos os animais? Pois como os degola Noé e queima, e sacrifica sobre o altar. Olhai: Noé não matou as reses para as comer, matou-as para as oferecer e sacrificar a Deus; e para as coisas crescerem e multiplicarem, o meio mais certo e seguro, é dá-las a Deus.
E de que modo as daremos a Deus? Bendita seja sua infinita majestade e bondade, pois se serviu ensinar-nos por sua própria boca, o que nem imaginar nos atreveríamos: Quandiu fecistis uni ex his fratribus meis minimis, mihi fecistis: Tudo o que dais ao pobre, dai-lo a mim. Vêdes, cristãos, como podemos dar a Deus tudo: tudo o que damos ao pobre, damo-lo a Deus; e se quereis que as vossas coisas se cresçam, e se multipliquem, repartia-as com os pobres. Dois modos há no mundo, com que as coisas crescem, e se multiplicam muito; um natural, ou da arte, como na lavoura; outro industrial, como na mercancia. Na lavoura, semeais um alqueire de pão, colheis quinze, colheis vinte, e se a terra é muito boa, colheis trinta. Na mercancia, empregastes cinquenta, ganhastes cento, ganhastes duzentos, e às vezes mais. Tudo isto tendes na esmola. Dar esmolas é semear, e é negociar, mas com grandes vantagens. Para semear, não há melhor terra que a as mãos do pobre; e para negociar não há melhor correspondente que Deus. Não são considerações minhas, tudo é fé, e sagrada Escritura.
Padre António Vieira, in “Sermão da Quarta Dominga da Quaresma”, pregado na Matriz de São Luís do Maranhão, no ano de 1657
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