domingo, março 18, 2012

Quarto Domingo da Quaresma - II


Pois que remédio para acrescentar a fazenda, útil, discreta, e muito seguramente? O remédio é muito fácil: dar da que tiverdes, por amor de Deus. De maneira que ambos os nossos pontos se vêem a resumir a Deus. Quereis ter pão? Servi a Deus. Quereis ter muito? Dai por amor de Deus. Pois o dar, o tirar a mim, é caminho de acrescentar? Antes parece caminho de diminuir. Se fora dar por amor dos homens, ou por outro respeito, sim, que era caminho de perder o que se dá; mas dar por amor de Deus, não há mais certa negociação, não há mais certo modo de ajuntar a fazenda. Vêde-o no nosso Evangelho. Unde ememus panes, ut manducent hi? Perguntou o Senhor onde achariam pão, para que comessem todos. Respondeu Santo André, que todos os pães que havia não passavam de cinco: Est puer unus hic, qui habet quinque panes; e com estes, sendo só cinco, quis Cristo dar de comer a todos. Pois, Senhor, não vêdes que tendes doze Discípulos que sustentar, e que os pães não são mais que cinco? Se tivésseis muito pão, então estavam bem essas liberalidades; mas sendo tão pouco? Antes por isso mesmo: se os Apóstolos tiveram doze pães, então não era necessário mais; porém como não tinham mais que cinco, era força buscar algum modo de os acrescentar; e não podia haver meio mais breve, nem mais certo, que dá-los aos pobres. E assim foi; que os Apóstolos, porque deram cinco pães, não só receberam doze pães, senão doze alcofas: Duodecim cophinos. Se os Apóstolos foram de ânimo avarento e acanhado, e quiseram comer os seus cinco pães, saíra menos de meio pão a cada um; mas porque cada um deu o seu pedaço de pão, ficou com uma alcofa cheia. Dizia o sábio falando de uma mulher sábia: Manum suam aperuit inopi, et palmas suas extendit ad pauperem: Abriu a mão, e estendeu as mãos. Mas porque, ou para que? Porque quando abris uma mão para dar por amor de Deus, é necessário abrir duas para receber; quando o que dais cabe numa mão, o que recebeis não cabe em duas. Assim lhes aconteceu hoje aos Apóstolos. O pão que deram (que era o que tocava a cada um) cabia em três dedos, e o que recolheu cada um, não cabia em duas mãos, por isso foi necessário tomarem alcofas: Duodecim cophinos.

Tudo temos em um caso do Testamento Velho. Acabado o dilúvio, sai Noé em terra com seus filhos, e todos os animais; e lançou-lhes Deus a bênção, dizendo: Crescite, et multiplicamini, super terram; Crescei, e multiplicai sobre a terra. E que fez Noé? Edificavit altare Domino, et tollens de cunctis pecoribus, et volucribus mundis obtulit holocausta: Levantou um altar, e começou a degolar todos os animais, de que era lícito fazer sacrifício, e queimou-os sobre ele. Parece que de repente se esqueceu aqui Noé do que Deus tinha dito e mandado. Não tinha dito Deus que crescessem, e multiplicassem sobre a terra todos os animais? Pois como os degola Noé e queima, e sacrifica sobre o altar. Olhai: Noé não matou as reses para as comer, matou-as para as oferecer e sacrificar a Deus; e para as coisas crescerem e multiplicarem, o meio mais certo e seguro, é dá-las a Deus.

E de que modo as daremos a Deus? Bendita seja sua infinita majestade e bondade, pois se serviu ensinar-nos por sua própria boca, o que nem imaginar nos atreveríamos: Quandiu fecistis uni ex his fratribus meis minimis, mihi fecistis: Tudo o que dais ao pobre, dai-lo a mim. Vêdes, cristãos, como podemos dar a Deus tudo: tudo o que damos ao pobre, damo-lo a Deus; e se quereis que as vossas coisas se cresçam, e se multipliquem, repartia-as com os pobres. Dois modos há no mundo, com que as coisas crescem, e se multiplicam muito; um natural, ou da arte, como na lavoura; outro industrial, como na mercancia. Na lavoura, semeais um alqueire de pão, colheis quinze, colheis vinte, e se a terra é muito boa, colheis trinta. Na mercancia, empregastes cinquenta, ganhastes cento, ganhastes duzentos, e às vezes mais. Tudo isto tendes na esmola. Dar esmolas é semear, e é negociar, mas com grandes vantagens. Para semear, não há melhor terra que a as mãos do pobre; e para negociar não há melhor correspondente que Deus. Não são considerações minhas, tudo é fé, e sagrada Escritura.

Padre António Vieira, in “Sermão da Quarta Dominga da Quaresma”, pregado na Matriz de São Luís do Maranhão, no ano de 1657

0 comentários: