No dia 29 de Novembro de 1905, há exactamente cem anos, nascia na cidade francesa de Tourcoing, o futuro Arcebispo Marcel Lefebvre, o qual viria a desempenhar papel crucial na história da Igreja Católica no período subsequente ao encerramento do Concílio Vaticano II.
Cientes de que o seu percurso biográfico é por demais conhecido dos leitores, não tencionamos repeti-lo agora desnecessariamente. O nosso desiderato é outro: sabendo-se que a qualidade da árvore se avalia pelos bons ou maus frutos que dá, que frutos deu Monsenhor Lefebvre?
Não tendo sido o primeiro defensor da fé e tradição católicas no período pós-conciliar - essa honra pertence ao padre belga Gommar de Pauw, radicado nos Estados Unidos, que no ano de 1965 fundou o "Catholic Traditionalist Movement" -, Monsenhor Lefebvre foi todavia o seu mais insigne paladino, assumindo, após a subversão provocada pela heresia modernista no seio da Igreja, um papel semelhante aos de Santo Atanásio ou Santo Hilário de Poitiers durante a crise ariana do século IV, ou de São João Fisher na sequência da reforma anglicana no século XVI.
Depois do final do Concílio Vaticano II, e em consequência do clima favorável por este propiciado, já que o mesmo foi dominado na sua quase totalidade pelos sectores modernista e progressista que há muito planeavam a sua ofensiva (pelo menos, desde meados do século XIX) a partir do próprio interior da realidade eclesial, os erros por eles sustentados invadiram virulentamente a Igreja, com o fito de a protestantizar, jacobinizar e marxizar, bem como de demolir a sua tradição bimilenar, transmutando-a num mero instrumento ao serviço das tácticas de subversão revolucionária.
Ora, na prática, tais objectivos conduziram à adopção de conceitos estranhos a toda a tradição católica, como, por exemplo, o sobraçar de um ecumenismo mal-são, propiciador do relativismo e do indiferentismo religiosos, ou o sufragar de uma liberdade religiosa confundida erroneamente com a tolerância religiosa, sem se olvidar a promoção da desastrosa reforma litúrgica, obnubiladora de verdades fundamentais da fé católica e enfatizadora de realidades que lhe são espúrias, certamente a primeira e principal responsável pela abissal queda da prática religiosa entre os católicos, mormente por transformar aquela que deveria ser a mais solene manifestação de fé - a Missa -, não despiciendas vezes, num circo recheado de extravagâncias e excentricidades. Por outro lado, escusado mencionar a adesão de boa parte do clero pós-conciliar à mundividência da esquerda radical marxista…
Contra tudo isto se ergueu num labor titânico Monsenhor Lefebvre, reafirmando sem compromissos a verdade católica, obstando ao esvaimento da tradição, impedindo a desaparição da Missa tradicional de rito latino-gregoriano, ordenando sacerdotes tradicionais defensores do magistério bimilenar da Igreja através da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, enfim, consagrando numa situação de absoluto estado de necessidade da Igreja quatro bispos sem jurisdição, garantindo assim a continuidade da tradição para o século XXI.
Custou-lhe este último gesto uma excomunhão, cuja análise detalhada extravasaria de todo o âmbito deste artigo. Digamos apenas que a mesma se caracteriza pela sua manifesta injustiça e notória falta de fundamentação à luz do direito canónico, constituindo seguramente um dos momentos menos felizes do pontificado do Papa João Paulo II, que o seu actual sucessor, o Papa Bento XVI, há-de reparar num futuro que se supõe breve. Sem prejuízo, recordemos que o dever de obediência propugnado pela doutrina católica, mesmo relativamente à pessoa do Papa, não é em caso algum cego: ele cessa quando está posta em crise a defesa do depósito de fé divinamente revelado, que à Igreja urge conservar, defender e transmitir, mas não alterar ou inovar; nesta última situação, pelo contrário, impõe-se aos católicos um dever de resistência a quem ouse enveredar por tais caminhos, porventura ao Papa, como sempre o ensinaram doutrinariamente São Paulo, São Tomás de Aquino ou São Roberto Belarmino e como o demonstrou, a nível prático, a vida de Santo Atanásio e a sua oposição à heresia ariana. Em resumo: primeiro obedecer a Deus, e só depois aos homens.
E se, na sequência das polémicas consagrações, Roma concedeu uma margem de manobra muito maior à tradição, através criação da Pontifícia Comissão "Eclesia Dei" (regula as actividades dos católicos tradicionais no seio da Igreja), e da subsequente fundação de institutos religiosos tradicionais como a Fraternidade de São Pedro (www.fssp.org), o Instituto do Cristo-Rei (www.icrsp.com), ou a brasileira Administração Apostólica de São João Maria Vianney (www.adapostolica.org) que preservam a celebração da Missa de rito latino-gregoriano ou tridentina, ainda uma vez mais e sempre, na base disso tudo, está a pessoa de Monsenhor Marcel Lefebvre.
Ora, só este facto bastaria para demonstrar a justeza do seu combate, e qualidade dos frutos que o mesmo deu.
JSarto
(Texto originalmente publicado no jornal semanário de Lisboa, "O Diabo" (que nada tem a ver com o mafarrico…), em 29 de Novembro de 2005).
Cientes de que o seu percurso biográfico é por demais conhecido dos leitores, não tencionamos repeti-lo agora desnecessariamente. O nosso desiderato é outro: sabendo-se que a qualidade da árvore se avalia pelos bons ou maus frutos que dá, que frutos deu Monsenhor Lefebvre?
Não tendo sido o primeiro defensor da fé e tradição católicas no período pós-conciliar - essa honra pertence ao padre belga Gommar de Pauw, radicado nos Estados Unidos, que no ano de 1965 fundou o "Catholic Traditionalist Movement" -, Monsenhor Lefebvre foi todavia o seu mais insigne paladino, assumindo, após a subversão provocada pela heresia modernista no seio da Igreja, um papel semelhante aos de Santo Atanásio ou Santo Hilário de Poitiers durante a crise ariana do século IV, ou de São João Fisher na sequência da reforma anglicana no século XVI.
Depois do final do Concílio Vaticano II, e em consequência do clima favorável por este propiciado, já que o mesmo foi dominado na sua quase totalidade pelos sectores modernista e progressista que há muito planeavam a sua ofensiva (pelo menos, desde meados do século XIX) a partir do próprio interior da realidade eclesial, os erros por eles sustentados invadiram virulentamente a Igreja, com o fito de a protestantizar, jacobinizar e marxizar, bem como de demolir a sua tradição bimilenar, transmutando-a num mero instrumento ao serviço das tácticas de subversão revolucionária.
Ora, na prática, tais objectivos conduziram à adopção de conceitos estranhos a toda a tradição católica, como, por exemplo, o sobraçar de um ecumenismo mal-são, propiciador do relativismo e do indiferentismo religiosos, ou o sufragar de uma liberdade religiosa confundida erroneamente com a tolerância religiosa, sem se olvidar a promoção da desastrosa reforma litúrgica, obnubiladora de verdades fundamentais da fé católica e enfatizadora de realidades que lhe são espúrias, certamente a primeira e principal responsável pela abissal queda da prática religiosa entre os católicos, mormente por transformar aquela que deveria ser a mais solene manifestação de fé - a Missa -, não despiciendas vezes, num circo recheado de extravagâncias e excentricidades. Por outro lado, escusado mencionar a adesão de boa parte do clero pós-conciliar à mundividência da esquerda radical marxista…
Contra tudo isto se ergueu num labor titânico Monsenhor Lefebvre, reafirmando sem compromissos a verdade católica, obstando ao esvaimento da tradição, impedindo a desaparição da Missa tradicional de rito latino-gregoriano, ordenando sacerdotes tradicionais defensores do magistério bimilenar da Igreja através da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, enfim, consagrando numa situação de absoluto estado de necessidade da Igreja quatro bispos sem jurisdição, garantindo assim a continuidade da tradição para o século XXI.
Custou-lhe este último gesto uma excomunhão, cuja análise detalhada extravasaria de todo o âmbito deste artigo. Digamos apenas que a mesma se caracteriza pela sua manifesta injustiça e notória falta de fundamentação à luz do direito canónico, constituindo seguramente um dos momentos menos felizes do pontificado do Papa João Paulo II, que o seu actual sucessor, o Papa Bento XVI, há-de reparar num futuro que se supõe breve. Sem prejuízo, recordemos que o dever de obediência propugnado pela doutrina católica, mesmo relativamente à pessoa do Papa, não é em caso algum cego: ele cessa quando está posta em crise a defesa do depósito de fé divinamente revelado, que à Igreja urge conservar, defender e transmitir, mas não alterar ou inovar; nesta última situação, pelo contrário, impõe-se aos católicos um dever de resistência a quem ouse enveredar por tais caminhos, porventura ao Papa, como sempre o ensinaram doutrinariamente São Paulo, São Tomás de Aquino ou São Roberto Belarmino e como o demonstrou, a nível prático, a vida de Santo Atanásio e a sua oposição à heresia ariana. Em resumo: primeiro obedecer a Deus, e só depois aos homens.
E se, na sequência das polémicas consagrações, Roma concedeu uma margem de manobra muito maior à tradição, através criação da Pontifícia Comissão "Eclesia Dei" (regula as actividades dos católicos tradicionais no seio da Igreja), e da subsequente fundação de institutos religiosos tradicionais como a Fraternidade de São Pedro (www.fssp.org), o Instituto do Cristo-Rei (www.icrsp.com), ou a brasileira Administração Apostólica de São João Maria Vianney (www.adapostolica.org) que preservam a celebração da Missa de rito latino-gregoriano ou tridentina, ainda uma vez mais e sempre, na base disso tudo, está a pessoa de Monsenhor Marcel Lefebvre.
Ora, só este facto bastaria para demonstrar a justeza do seu combate, e qualidade dos frutos que o mesmo deu.
JSarto
(Texto originalmente publicado no jornal semanário de Lisboa, "O Diabo" (que nada tem a ver com o mafarrico…), em 29 de Novembro de 2005).
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