Tendo assistido à polémica que se gerou no blogue do Corcunda sobre a questão identitária, e conforme já havia prometido aos meus leitores, passo a analisar aquela na perspectiva que este espaço sufraga, isto é, a católica tradicional. Irei por pontos:
a) Não é possível alguém afirmar-se defensor da identidade nacional e simultaneamente ter a veleidade de erradicar dessa mesma matriz identitária o Catolicismo. Portugal fez-se com e pela religião católica, e foi grande enquanto soube respeitar e venerar os valores desta, levando-a a todos os cantos do mundo. Nenhum dos mentores de qualquer uma das principais correntes nacionalistas portuguesas jamais alvitrou o absurdo de idealizar Portugal sem o Catolicismo, chamasse-se ele Oliveira Salazar, António Sardinha ou Rolão Preto;
b) É deplorável que certos sectores nacionalistas, evidenciando leituras apressadas que vão desde Nietzsche a Alain de Benoist, passando por Houston Stewart Chamberlain, Alfred Rosenberg e até por Revilo Oliver, não hesitem em intitular o Cristianismo de "bolchevismo da antiguidade", importando para o nosso País questiúnculas que lhe são estranhas, e que foram em França um dos principais factores da cisão verificada entre a F.N. e o M.N.R., e, por outro lado, alinhem como aliados tácitos da extrema-esquerda na guerra cultural que esta move ao Cristianismo, compartilhando com aquela corrente ideológica a ideia aberrante de que este não faz parte da herança cultural europeia;
c) Os que falam em "bolchevismo da antiguidade" caem no mesmo erro dos defensores das heresias protestante e modernista: as Sagradas Escrituras só são susceptíveis de ser compreendidas e interpretadas à luz da tradição, ou seja, do magistério permanente, constante, ininterrupto e duas vezes bimilenar da Igreja e não fora dele. Qualquer percepção que se tenha a partir da leitura das Sagradas Escrituras que contradiga o ensinamento eclesial, pura e simplesmente, está errada;
d) A Igreja não só jamais defendeu o igualitarismo e o comunismo como até o condenou e condena formal e expressamente - Pio XI denominou-o de intrinsecamente perverso. Em termos cristãos, como explicava o grande Papa São Pio X, os homens só são iguais entre si nestes factos - todos são criados por Deus; todos foram redimidos e resgatados pelo seu sacrifício na Cruz; todos serão por Ele julgados no fim do mundo e por Ele premiados ou punidos em função da sua fé e obras realizadas; mas nada mais;
e) A Igreja não nega, não se opõe, nem condena as diferenças de condição existentes entre os homens e no seu ensino sustenta que estes são explicitamente desiguais no seu esforço, na sua vontade, na sua vocação e, como tal, na sua condição social e riqueza - a este propósito, ver a "Rerum Novarum", de Leão XIII;
f) A Igreja também sufraga a ideia, mediante a interpretação que faz do quarto mandamento do Decálogo, de que a pátria é um dos legítimos superiores do cristão, e que este se encontra obrigado a honrá-la. No seguimento desta doutrina, São Tomás de Aquino explica que tal pátria é uma extensão da família, e que os compatriotas do cristão são consequentemente também seus familiares, recaindo por isso sobre este último o dever de zelar pela salvaguarda e integridade daquela primeira - ver Suma Teológica, II - II, Questão 101, Artigo 1.
Todo este ensinamento é magistralmente resumido neste trecho da Encíclica "Summi Pontificatus", de 1939, da autoria do Papa Pio XII, que passo a citar:
"Não se deve recear que a consciência da fraternidade universal, fomentada pela doutrina cristã, e o sentimento que ela inspira estejam em contraste com o amor às tradições e glórias da própria pátria, ou impeçam que se promovam a prosperidade e os interesses legítimos, porquanto essa mesma doutrina ensina que existe uma ordem estabelecida por Deus no exercício da caridade, segundo a qual se deve amar mais intensamente e auxiliar de preferência os que estão a nós unidos com vínculos especiais. E o Divino Mestre deu também exemplo dessa preferência pela sua pátria, chorando sobre as ruínas da Cidade Santa. Mas o legítimo e justo amor à própria pátria não deve excluir a universalidade da caridade que faz considerar também aos outros a sua prosperidade, na luz pacificadora do amor";
g) Deste trecho de São Pio XII alcançam-se, de imediato, duas conclusões essenciais: 1ª) Num plano individual, por atentatória à dignidade fundamental do ser humano, a Igreja não pode deixar de condenar a segregação, a humilhação e a menorização de qualquer homem com base unicamente na sua raça, realidade cuja existência, porém, ela não nega; 2ª) Outrossim, se a Igreja condena a segregação racial, nem por isso tal faz dela, num plano colectivo, apologista da integração forçada, muito pelo contrário: o universalismo espiritual cristão, de que os portugueses foram exemplares praticantes ao longo da História, nada tem a ver com o internacionalismo igualitarista, crassamente materialista, de matriz jacobina e apátrida; nenhum cristão, para o ser, necessita de alinhar em utopias que pretendem reconstituir a unidade original da humanidade existente previamente ao desastre de Babel;
h) Desnecessário igualmente dizer que ninguém se torna anticristão por se opor às políticas de imigração sem controlo que o Ocidente actualmente sofre, as quais são defendidas pelos lóbis mundialistas com o fito de provocar a supra referida integração forçada e dissolver as pátrias, que os cristãos têm o dever de honrar, num magma cosmopolita. Amar o próximo como a nós mesmos é fazermos ao próximo aquilo que gostamos que nos façam; não é deixarmos o próximo fazer-nos aquilo que não gostamos ou que nunca lhe faríamos. Como remate final, acrescente-se ainda que, no seu "Comentário à Política de Aristóteles", São Tomás de Aquino indubitavelmente critica o que hoje chamaríamos de sociedade multicultural;
i) Sem prejuízo de tudo o que disse, recordo que o homem não está neste mundo para idolatrar a raça e a pátria, mas para adorar a Deus e salvar sua alma para toda a eternidade.
Sobre esta matéria, a título complementar, sugiro a leitura destes dois textos, ambos de orientação católica tradicional: o primeiro, do excelente sítio norte-americano "Seattle Catholic"; o segundo, do sítio da SSPX - África do Sul.
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