sexta-feira, junho 10, 2005

Vítimas

Embora esteja longe de concordar com tudo aquilo que o Professor João César das Neves defende, sendo-me completamente estranhos os seus tiques neo-católicos característicos de quem navega nas águas da "Obra", a sua idolatria acrítica da figura do falecido Papa João Paulo II, ou a sua apologia irresponsável da imigração sem controlo, reconheço nele uma das poucas vozes na sociedade portuguesa que não hesita em enfrentar frontalmente muitos dos tabus da ideologia politicamente correcta, e com a coragem bastante para defender publicamente o essencial da doutrina católica. Que bom seria que João César das Neves se convertesse definitivamente à Tradição... Aqui deixo o texto "Vítimas", extraído da última colectânea publicada dos seus artigos de opinião, intitulada "O Milagre Português", Lisboa, Verbo, 2005:

"Tudo começou de forma simples. A 14 de Julho de 2000, um júri de Miami condenou as grandes empresas tabaqueiras a pagar 145 mil milhões de dólares a milhares de fumadores da Flórida para indemnizar os efeitos na saúde ligados ao fumo. Já em Novembro de 1998, seis Estados norte-americanos tinham feito um acordo de 246 mil milhões de dólares com essas empresas, anulando assim os processos pendentes em tribunal. Estes não acabaram e logo em 1999 o governo federal lançou o seu, pedindo 280 mil milhões. Em Maio de 2003, a Organização Mundial de Saúde fez o primeiro tratado internacional da sua história. Finalidade: colocar etiquetas alarmistas nos pacotes de tabaco.

A coisa não ia acabar por aqui. Em Julho de 2002, um operário de Nova Iorque interpôs uma acção contra a McDonald's, Wendy's, Kentucky Fried Chicken e Burger King por o terem feito gordo. Começaram os processos de obesos contra as empresas de comida rápida. Em 2004, no premiado documentário "Super Size Me", o realizador Morgan Spurlock filmava-se a si mesmo comendo à bruta durante um mês no McDonald's, aumentando 11 Kg e 65 pontos no colesterol.

A evolução era clara. Mas ninguém esperava o golpe de teatro de Steven Walters. Em Novembro de 2007, este jovem da Califórnia com 27 anos interpôs um processo multimilionário contra as grandes cadeias de televisão, empresas publicitárias, produtoras de filmes e editoras gráficas, por se dizer viciado em… sexo. Com dois divórcios e um filho ilegítimo, Steven dizia que a sua vida fora arruinada pela compulsão sexual. E esta, segundo ele, advinha das imagens sugestivas com que filmes, programas, anúncios e até noticiários o bombardeavam: "Estou mergulhado em tentações sexuais. Como posso resistir?". Em resultado exigia 100 mil milhões destas empresas.

Eram comuns as queixas contra os media por ataques à família e ao pudor, mas ninguém ligava por o casamento e a castidade serem coisas consideradas antiquadas. Só que o litígio de um assumido promíscuo teve um impacto enorme. Até porque na altura saiu o "best-seller" do Prof. James Wentz.

No livro "A Força do Sexo", de Março de 2008, o sociólogo defendia a tese de que a líbido era a energia mais poderosa da sociedade. No ponto mais controverso, o cientista afirmava que os hábitos sociais, limites éticos e tabus comportamentais que as civilizações adoptaram ao longo de milénios eram formas indispensáveis de controlar e orientar esse poder. Nem sempre o faziam da forma mais sensata, mas costumes desses eram úteis e necessários. Segundo ele, a sociedade moderna ao pretender eliminar "tabus e inibições" libertara o furor que a estava a destruir. A coisa só não era mais grave porque, felizmente, no quotidiano os velhos usos permaneciam. Mas a atitude libertina dos media e meios intelectuais era muito negativa e devia ser combatida.

O resultado combinado dos dois efeitos foi esmagador. Os processos multiplicaram-se e também a regulamentação. Surgiram limites legais férreos à pornografia e à publicação de imagens com nudez e textos com sugestões sexuais. A OMS tornou obrigatórias etiquetas em cassetes e revistas com mensagens: "Pratique sexo com moderação", "Copular demais mata", "O sexo é a principal causa de gravidez indesejada".

A coisa ameaçava explodir, mas a atenção foi desviada. Em 2011, Jenny Stevens interpôs a sua célebre acção contra as agências funerárias por lucrarem com a morte alheia".

JSarto

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