No Evangelho temos a Cristo triunfante em Jerusalém; naquele altar temos a Cristo triunfante no Egipto: justo é senhores, que entre também Cristo triunfando, ou pelo Egipto ou pela Jerusalém de nossas almas. Que outra coisa é uma alma, onde se está levantando altar a Vénus, ídolo da torpeza; onde se fazem sacrifícios a Marte, ídolo da vingança; onde é adorado Júpiter, ídolo da vaidade: que coisa é, digo, uma alma destas, senão um Egipto idólatra? Entre pois Cristo triunfando pelo Egipto desta alma: Et commovebuntur à facie ejus simulacra Aegypti, e caiam e rendam-se a seus pés todos esses ídolos. Caia a torpeza, caia a vingança, caia a vaidade, e acabem-se idolatrias tão pouco cristãs. Que coisa é, por outro modo, uma alma onde reina a ambição, onde dá leis a inveja, onde manda tudo o ódio, que coisa é, torno a dizer, uma alma destas, senão uma Jerusalém depravada e perdida, e onde por ódio, por ambição e por inveja se dá sentença de morte contra o mesmo Cristo? Ora pois, Jerusalém, Jerusalém, convertere ad Dominum Deum tuum; acabem-se ódios, acabem-se invejas, acabem-se ambições: caiam todos esses vícios aos pés de Cristo, e levantem-se palmas nas mãos em sinal de vitória: Acceperunt ramos palmarum, et exierunt obviam ei.
Não duvido que o façam assim todos os que têm nome de cristãos, não movidos da eficácia de minhas razões, mas obrigados da santidade do tempo. Entramos na Semana Santa, em que nenhum cristão há de tão fraca fé, e de tão fria piedade, que não se lance rendido aos pés de Cristo. O que porém quisera eu encomendar e saber persuadir a todos é, que nos não aconteça o que aconteceu aos que acompanharam Cristo no seu triunfo. É advertência de S. Bernardo. Quando o Senhor ia passando pelas ruas de Jerusalém, tiravam muitos as capas dos ombros, para que o Senhor passasse por cima delas; porém tanto que o mesmo Senhor tinha passado, tornava cada um a levantar a sua capa, e pô-la outra vez nos ombros como dantes. O mesmo nos acontece a nós nesta semana. Despimos, ou parece que despimos, os maus hábitos de nossos vícios, lançamo-los aos pés de Cristo, para que passe por cima deles com a cruz às costas; porém tanto quanto passou, tanto que se acabou a Semana Santa, e chegou a Páscoa, torna cada um aos mesmos vícios, e a revestir-se deles, como se já não foram pecados. Oh sepultemo-los para sempre com Cristo morto, e deixemos estes maus hábitos, como Cristo deixou as mortalhas na sua sepultura. Façamos diante daquela Senhora uns propósitos e resoluções muito firmes de ser perpétuos escravos seus e de seu benditíssimo Filho, seguindo-o e servindo-o sempre e em qualquer parte; ou no Egipto, como desterrados deste mundo, ou em Jerusalém, como mortos ao mesmo mundo: não havendo trabalho ou felicidade, nem fortuna tão próspera ou adversa, que nos aparte de seu serviço, de sua obediência, de seu amor e de sua graça, para que vivendo e morrendo com ele e por ele, o acompanhemos na vida, onde não há morte, por toda a eternidade. Amen.
Padre António Vieira, no “Sermão do Sábado antes da Dominga de Ramos”, pregado na Igreja de Nossa Senhora do Desterro, na Baía, no ano de 1634
Não duvido que o façam assim todos os que têm nome de cristãos, não movidos da eficácia de minhas razões, mas obrigados da santidade do tempo. Entramos na Semana Santa, em que nenhum cristão há de tão fraca fé, e de tão fria piedade, que não se lance rendido aos pés de Cristo. O que porém quisera eu encomendar e saber persuadir a todos é, que nos não aconteça o que aconteceu aos que acompanharam Cristo no seu triunfo. É advertência de S. Bernardo. Quando o Senhor ia passando pelas ruas de Jerusalém, tiravam muitos as capas dos ombros, para que o Senhor passasse por cima delas; porém tanto que o mesmo Senhor tinha passado, tornava cada um a levantar a sua capa, e pô-la outra vez nos ombros como dantes. O mesmo nos acontece a nós nesta semana. Despimos, ou parece que despimos, os maus hábitos de nossos vícios, lançamo-los aos pés de Cristo, para que passe por cima deles com a cruz às costas; porém tanto quanto passou, tanto que se acabou a Semana Santa, e chegou a Páscoa, torna cada um aos mesmos vícios, e a revestir-se deles, como se já não foram pecados. Oh sepultemo-los para sempre com Cristo morto, e deixemos estes maus hábitos, como Cristo deixou as mortalhas na sua sepultura. Façamos diante daquela Senhora uns propósitos e resoluções muito firmes de ser perpétuos escravos seus e de seu benditíssimo Filho, seguindo-o e servindo-o sempre e em qualquer parte; ou no Egipto, como desterrados deste mundo, ou em Jerusalém, como mortos ao mesmo mundo: não havendo trabalho ou felicidade, nem fortuna tão próspera ou adversa, que nos aparte de seu serviço, de sua obediência, de seu amor e de sua graça, para que vivendo e morrendo com ele e por ele, o acompanhemos na vida, onde não há morte, por toda a eternidade. Amen.
Padre António Vieira, no “Sermão do Sábado antes da Dominga de Ramos”, pregado na Igreja de Nossa Senhora do Desterro, na Baía, no ano de 1634
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