sexta-feira, abril 08, 2011

A compra da República


Nova Iorque, 22 de Março

Este mês, comprei uma República. Capricho caro que não terá imitadores. Era um desejo que tinha há muito tempo e quis livrar-me dele. Imaginava que ser dono de um país dava mais prazer.

A ocasião era boa e o assunto foi resolvido em poucos dias. O presidente estava com a corda na garganta; o seu ministério, composto de clientes seus, era um perigo. Os cofres da República estavam vazios; lançar novos impostos teria sido o sinal para a destituição de todo o clã que estava no poder e talvez para uma revolução. Já existia um general que estava a armar bandos irregulares e prometia cargos e empregos ao primeiro que chegava.

Um agente americano que se encontrava no local avisou-me. O ministro da Fazenda correu a Nova Iorque; em quatro dias pusemo-nos de acordo. Adiantei alguns milhões de dólares à República e fixei, além disso, subsídios equivalentes ao dobro dos que recebiam do Estado, ao presidente, a todos os ministros e aos seus secretários. Deram-me, como garantia - sem que o povo o saiba - as alfândegas e os monopólios. Além disso, o presidente e os ministros firmaram um “covenant” secreto que me concede, praticamente o “contrôle” sobre a vida da República. Embora eu pareça, quando ali vou, um simples hóspede de passagem, sou, na realidade, o dono quase absoluto do país. Por estes dias, tive de dar uma nova subvenção, bastante avultada, para a renovação do material do Exército e, em compensação, obtive novos privilégios.

O espectáculo é, para mim, muito divertido. As câmaras continuam a legislar livremente, na aparência; os cidadãos continuam a imaginar que a República é autónoma e independente e que à sua vontade se subordina o curso das coisas. Não sabem que tudo quanto supõem possuir - vida, bens, direitos civis - depende, em última instância, de um estrangeiro desconhecido para eles, isto é, de mim.

Amanhã, posso ordenar o encerramento do Congresso, uma reforma da Constituição, o aumento das tarifas aduaneiras, a expulsão dos imigrados. Poderia, se me aprouvesse, revelar os acordos secretos da camarilha ora dominante e derrubar, assim, o governo, desde o presidente ao último secretário. E não me seria impossível obrigar o país que tenho sob a minha mão a declarar uma guerra a uma das Repúblicas limítrofes.

Este poder oculto e ilimitado faz-me passar umas horas agradáveis. Sofrer todos os incómodos e o servilismo da comédia política é uma fadiga bestial; mas ser o movimentador de títeres que, detrás dos cenários, pode divertir-se a puxar os cordelinhos dos fantoches obedientes, é uma volúpia única. O meu desprezo pelos homens encontra um alimento saboroso e mil confirmações.

Não sou mais do que o rei incógnito de uma pequena República em desordem; mas a facilidade com que logrei dominá-la e o evidente interesse de todos os iniciados em conservar o segredo faz-me pensar que outras nações, talvez mais vastas e importantes do que a minha República, vivem, sem se aperceberem, debaixo de análoga dependência de soberanos estrangeiros. Sendo necessário mais dinheiro para a sua aquisição, tratar-se-á, em vez de um só dono, como no meu caso, de um “trust”, de um sindicato de negócios, de um grupo restrito de capitalistas ou banqueiros.

Mas tenho fundadas suspeitas de que outros países são governados por pequenos comités de reis invisíveis, apenas conhecidos pelos seus homens de confiança, que continuam a desempenhar com na naturalidade o papel dos chefes legítimos.

Giovanni Papini, in “Gog”, Lisboa, Livros do Brasil, s/d, páginas 137 e 138.

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