É glória singular do Reino de Portugal, que só ele entre todos os do mundo foi fundado e instituído por Deus. Bem sei que o Reino de Israel também foi feito por Deus só permissivamente e muito contra a sua vontade, porque teimaram os Israelitas a ter rei como as outras nações; porém, o Reino de Portugal, quando Cristo o fundou e instituiu, aparecendo a el-rei (que ainda não o era) D. Afonso Henriques, a primeira palavra que lhe disse foi volo, quero. Como o Reino de Portugal havia de ser tão filho da Igreja Católica e lhe havia de fazer no mundo tão relevantes serviços, quis Cristo que a sua instituição fosse muito semelhante à da mesma Igreja.
A São Pedro disse Cristo: Tu es Petrus, et super hanc Petram aedificabo Ecclesiam meam (Mt. 16, 18); a D. Afonso disse Cristo: Volo in te, et in semine tuo, imperium mihi stabilire. A Pedro disse: Quero fundar em uma Igreja, não tua, senão minha, ecclesiam meam. A Afonso disse: Quero fundar em ti um império, não para ti, senão para mim: Imperium mihi. A Pedro, na instituição da Igreja, não disse in te et in semine tuo, porque, como o império da Igreja era universal sobre todas as nações do mundo, quis que todas as nações tivessem direito à eleição da tiara: o hebreu, como Pedro; o grego, como Anacleto; o romano, como Gregório; o alemão, como Victor; o francês, como Martinho; o espanhol, como Calisto; o português, como Dâmaso. Mas na instituição do Reino de Portugal disse Cristo: In te, et in semine tuo; porque como era reino particular de uma só nação, quis que fosse hereditário e não electivo, para que continuasse na sucessão e descendência do mesmo sangue. E porquê tudo isto, e para quê? Não para o fim político, que é comum a todos os reinos e a todas as nações, senão para o fim apostólico, que é particular deste reino e desta nação. O mesmo Cristo disse nas palavras com que o instituiu: Ut deferatur nomen meum in exteras gentes, para que por meio dos Portugueses seja levado meu nome às gentes estranhas. Ainda então não sabia o mundo que gentes estranhas fossem estas, mas a daí a 400 anos, quando também o mundo se conheceu a si mesmo, o soube. Vede se foi instituição apostólica. De São Pedro disse Cristo: Ut portet nomen meum coram gentibus (Act. 9, 15); e aos Portugueses disse o mesmo Cristo: Ut deferatur nomen meum in exteras gentes. Aos Apóstolos disse Cristo: Videte regiones, quia albae sunt ad messem (Lc. 14, 35); e aos Portugueses disse o mesmo Cristo: Ut sint messores mei in terris longinquis. E notai que disse nomeadamente messores, segadores, porque se havia de servir também do seu braço e do seu ferro. Quando Cristo apareceu a el-rei D. Afonso, estava ele na sua tenda lendo a história de Gedeão, não só com um, mas com dois mistérios: primeiro, para que o rei não desconfiasse da promessa, vendo que os seus portugueses eram poucos; segundo, para que os mesmos portugueses entendessem que, como soldados de Gedeão, em uma mão haviam de levar a trombeta e na outra mão a luz (Juízes 7, 20). A Pedro chamou-lhe Cristo Cephas (Jo. 1, 42), pedra, em significação do que havia de ser; os Portugueses primeiro se chamaram Tubales (de Tubal) que quer dizer mundanos e depois se chamaram lusitanos: lusitanos, para que trouxessem no nome a luz, mundanos para que trouxessem no nome o mundo, porque Deus os havia de escolher para luz do mundo: Vos estis lux mundi.
Padre António Vieira, S. J. - Do "Semão de Santo António", pregado na Igreja de Santo António dos Portugueses, em Roma, no ano de 1670.
A São Pedro disse Cristo: Tu es Petrus, et super hanc Petram aedificabo Ecclesiam meam (Mt. 16, 18); a D. Afonso disse Cristo: Volo in te, et in semine tuo, imperium mihi stabilire. A Pedro disse: Quero fundar em uma Igreja, não tua, senão minha, ecclesiam meam. A Afonso disse: Quero fundar em ti um império, não para ti, senão para mim: Imperium mihi. A Pedro, na instituição da Igreja, não disse in te et in semine tuo, porque, como o império da Igreja era universal sobre todas as nações do mundo, quis que todas as nações tivessem direito à eleição da tiara: o hebreu, como Pedro; o grego, como Anacleto; o romano, como Gregório; o alemão, como Victor; o francês, como Martinho; o espanhol, como Calisto; o português, como Dâmaso. Mas na instituição do Reino de Portugal disse Cristo: In te, et in semine tuo; porque como era reino particular de uma só nação, quis que fosse hereditário e não electivo, para que continuasse na sucessão e descendência do mesmo sangue. E porquê tudo isto, e para quê? Não para o fim político, que é comum a todos os reinos e a todas as nações, senão para o fim apostólico, que é particular deste reino e desta nação. O mesmo Cristo disse nas palavras com que o instituiu: Ut deferatur nomen meum in exteras gentes, para que por meio dos Portugueses seja levado meu nome às gentes estranhas. Ainda então não sabia o mundo que gentes estranhas fossem estas, mas a daí a 400 anos, quando também o mundo se conheceu a si mesmo, o soube. Vede se foi instituição apostólica. De São Pedro disse Cristo: Ut portet nomen meum coram gentibus (Act. 9, 15); e aos Portugueses disse o mesmo Cristo: Ut deferatur nomen meum in exteras gentes. Aos Apóstolos disse Cristo: Videte regiones, quia albae sunt ad messem (Lc. 14, 35); e aos Portugueses disse o mesmo Cristo: Ut sint messores mei in terris longinquis. E notai que disse nomeadamente messores, segadores, porque se havia de servir também do seu braço e do seu ferro. Quando Cristo apareceu a el-rei D. Afonso, estava ele na sua tenda lendo a história de Gedeão, não só com um, mas com dois mistérios: primeiro, para que o rei não desconfiasse da promessa, vendo que os seus portugueses eram poucos; segundo, para que os mesmos portugueses entendessem que, como soldados de Gedeão, em uma mão haviam de levar a trombeta e na outra mão a luz (Juízes 7, 20). A Pedro chamou-lhe Cristo Cephas (Jo. 1, 42), pedra, em significação do que havia de ser; os Portugueses primeiro se chamaram Tubales (de Tubal) que quer dizer mundanos e depois se chamaram lusitanos: lusitanos, para que trouxessem no nome a luz, mundanos para que trouxessem no nome o mundo, porque Deus os havia de escolher para luz do mundo: Vos estis lux mundi.
Padre António Vieira, S. J. - Do "Semão de Santo António", pregado na Igreja de Santo António dos Portugueses, em Roma, no ano de 1670.
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