Recebi por correio electrónico o texto abaixo publicado, o qual me foi enviado por alguém que o assina sob o nome de José Silva. Desconheço quem seja tal pessoa, mas a verdade é que escreve muito bem e com grande pertinência, como os meus leitores o poderão de imediato comprovar.
O Dr. Esteves
Milhares de linhas se escrevem e se lêem sobre os motivos que levam muitos ao descontentamento com a situação política em Portugal. O que é facto é que os descontentes têm de aceitar que essa mesma situação existe porque um dia a apoiaram e ainda hoje a aceitam. Existe igualmente porque, dum modo geral, o seu desejo seria a alteração de pequenos pormenores no panorama, sendo que dum modo geral, a realidade seria a mesma.
Uma verdadeira oposição acarreta, não só a coragem da assunção da diferença e da incompreensão, como também a capacidade de suportar a extrema insegurança proporcionada por um salto no desconhecido.
Como hipótese académica, vamos imaginar uma figura de meia-idade, duma família católica, que não se revê nos partidos maioritários, que se considera de direita, e nutre uma certa simpatia pela monarquia e pelo Estado-Novo. Chamá-lo-emos o Dr. Esteves.
O Dr. Esteves acha tudo isto uma bandalheira. O Dr. Esteves escreve num blog, e troca mails com piadas do Sócrates. O Dr. Esteves janta com os amigos e colegas e comenta o último escândalo. O Dr. Esteves tem saudades da tropa. O Dr. Esteves por vezes vota CDS, e nas restantes (ainda que não o confesse publicamente), vota PNR, e sente-se corajoso.
O Dr. Esteves não é racista, mas compreende que a imigração é um fenómeno a ser disciplinado. O Dr. Esteves não entende para que servem os estádios de futebol e o TGV. O Dr. Esteves acha que os políticos deviam ganhar menos.
O Dr. Esteves sente-se roubado pelos bancos. O Dr. Esteves sente o seu emprego ameaçado.
Um dia, ele enche-se de coragem e pensa.: “É meu dever cívico deixar um país melhor aos meus filhos. Vou meter-me na política”.
Então convence os amigos dos jantares a formar um partido. Um deles faz um logótipo simples, que é para poupar na impressão dos panfletos. Um outro, mais dextro no português escreve. “Há que dizer as verdades, expor as roubalheiras.” Contudo, na parte programática, claudica - Liberalismo económico, nacional socialismo, democracia-cristã, monarquia – todos estes nomes são “direita” mas como posicionar-se? Como conceber um modelo de Estado? Ele sabe que é de direita e que quer acabar com as poucas-vergonhas, mas as aulas de História no liceu já vão longe, e mesmo assim não ensinaram grande coisa.
A coisa sai complicada mas acutilante.
Para espanto dos novos políticos (ou talvez não) o resultado prático não é muito animador. O eleitorado passou ao lado das revelações do Dr. Esteves e dos seus amigos. Mas eles não desistem – afinal dizem a verdade e a verdade é como o azeite – vem sempre ao de cima.
O Dr. Esteves todas as semanas tinha uma sociedade para jogar no Euromilhões e por sorte, ou desígnio divino, saíu-lhe. Para desagrado da família, resolve investir a fortuna na recém-iniciada actividade partidária. Ombreando com os barões da droga e da construção civil, ele faz uma nova campanha eleitoral ao mais alto nível. Contrata um consultor de imagem brasileiro, um maquilhador homossexual e uma tribo de fotógrafos e camaramens. As ruas enchem-se de cartazes a abraçar criancinhas. A sua veia filantrópica aparece em documentários. Há um clima messiânico no ar. É ele que vai endireitar o país. Qual Salazar, qual quê?! Vota Esteves.
E o eleitorado vota. E o Dr. Esteves é eleito. Forma governo. Os amigos dos jantares são agora ministros. Como governar?
Os gabinetes dos seus ministérios estão cheios de inúteis, militantes do PS e do PSD, que foram recebendo os seus cargos como recompensa pelo voto nos últimos trinta anos. Fazem-lhe frente. Cada ordem é recebida ou com excesso de zelo ou com uma greve de braços caídos. O Dr. Esteves não consegue ver executada uma única decisão daquelas que considerava lapidares. O povo chama-lhe hipócrita. Ele concebe uma reforma na administração pública, mas o Orçamento do Estado não permite as indemnizações e reformas que iriam derivar de despedimentos em massa. Fica tudo na mesma.
O Dr. Esteves persiste, mas compreende que sem fronteiras não pode controlar a imigração nem as importações. As empresas pedem-lhe socorro, mas a Europa é inflexível. O Dr. Esteves vê então que não pode gerir a agricultura, nem as pescas, nem a indústria, nem sequer ajudar o restaurante onde jantava com os amigos a ver-se livre de regras estúpidas.
O Dr. Esteves desiste. Tenta reaver o dinheiro que investiu na campanha, num negócio com os chineses. Afinal, ninguém parece querer saber.
Moral da história. Oposição é algo muito diferente do Dr. Esteves.
Compreender o fracasso do Dr. Esteves
É bom imaginar o percurso do Dr. Esteves. Desta forma não teremos de despender energias em vivê-lo, e podemos usá-las de forma mais benéfica para todos.
Porquê então o seu fracasso? Uma resposta precipitada seria: “Porque não o deixaram fazer o que ele queria.” Até certo ponto é verdade, mas vista a coisa de forma mais séria, a culpa está no coração do Dr. Esteves.
Como assim?
Há uma contradição de base no nosso Dr. Esteves. Ele é católico e defende a verdade. Mas no processo, serve-se de um regime partidário que assenta num conjunto de mentiras.
1. No regime que atravessamos, poucos são os partidos em que a ideologia corresponde à nomenclatura. O marxismo já não faz parte do programa do PS. Bloco de Esquerda é uma designação ambígua e imprecisa: À esquerda de quê? O nacional socialismo é uma esquerda, comparada com o capitalismo liberal. Será o Bloco um Nacional Socialismo? A Social Democracia é incompatível com a crise económica. Se não há empresas saudáveis a quem cobrar, como fazer uma política social? O Partido Popular é tudo menos popular. Sendo o mais à direita com representação parlamentar, poderia facilmente trocar de nome com a UDP que, se tivesse representação, seria um dos mais à esquerda. Criar um partido neste regime, é mentir e participar numa mentira colectiva .
2. A forma como é conduzido o financiamento dos partidos, obscura q.b., é um acréscimo nessa mesma mentira. Só um hipotético Euromilhões traria honestidade ao financiamento duma campanha eleitoral. Slogans como “Uma Europa forte” não dizem rigorosamente nada sobre que modelo económico é defendido para a dita. Interessa apenas a criação de uma imagem – a possibilidade de cada eleitor mentir a si próprio sobre as suas expectativas europeias.
O Dr. Esteves andou perdido entre as ideologias como quem se perde numa loja de sapatos. Ele queria decisões pragmáticas sem um alicerce ideológico, ou melhor ainda, sem um alicerce moral! O Capitalismo, como é sabido, parte duma base moral judaico-protestante, os socialismos assentam numa base mística maçónica com aparência ateia ou agnóstica, e finalmente existe uma reminiscência do modelo de sociedade orgânica cristã primitiva nas concepções monárquicas. Sendo formalmente católico, o Dr. Esteves não conseguiu fazer a ponte entre a sua Igreja e a sua concepção de Estado.
Quem disse que ser democrata é ser adepto de um regime partidarizado? Quem acha que a organização em partidos de aparência ideológica, mas com base no clientelismo, é a melhor forma de representatividade dos cidadãos?
Resumindo, o grande problema do Dr. Esteves foi a falta de estruturação da sua identidade. Acabou assim por assumir a identidade dos que o rodeavam.
Oposição e identidade
Um Dr. Esteves esclarecido estaria familiarizado com a Doutrina Social da Igreja, e assim não teria de diambolar pelas ideologias dos vizinhos. Compreenderia, através das Escrituras e da Patrística, que uma sociedade não é nem deve ser dividida em classes, segundo o rendimento económico, (e assim todas as definições “populares” acabam sendo falaciosas) mas sim segundo afinidades familiares, laços de fidelidade pessoal, em grupos não de iguais mas de diferentes – na capacidade, na missão e na recompensa.
Compreenderia que esses grupos, diferentes entre eles, mas cooperando entre si nos objectivos, teriam uma representatividade, não atomista e individual, mas orgânica e corporativa. Compreenderia que num sistema de representatividade verdadeiramente democrático, não pode estar em causa a escolha dum modelo de Estado, mas sim, dentro de um modelo de Estado consensual, a tomada de decisões que afectam este ou aquele grupo social.
Compreenderia que a acumulação de tesouros na Terra é destrutiva – é autodestrutiva - e promoveria uma ordem de valores em que a oração e a contemplação sejam tidos como o maior bem.
Finalmente, tentaria preservar o seu país do modelo político e económico oriundo duma Europa que não partilha dos seus valores.
Como?
Depois dessa identidade estruturada, de duas maneiras fundamentais:
Exibindo-a, divulgando-a – no círculo familiar, nos seus jantares entre amigos, em cada contacto pessoal. Associando-se com os que pensam da mesma forma, procurando os pontos em comum que estejam acima de todos os movimentos e associações.
Dando o exemplo na recusa do cumprimento de normas prejudiciais quer a si próprio, na sua integridade cristã, quer ao seu país tido como uma comunidade de cristãos – a não cooperação com este modelo de Estado é a forma mais corajosa e mais eficaz para o derrube do regime que nos desagrada.
O Dr. Esteves
Milhares de linhas se escrevem e se lêem sobre os motivos que levam muitos ao descontentamento com a situação política em Portugal. O que é facto é que os descontentes têm de aceitar que essa mesma situação existe porque um dia a apoiaram e ainda hoje a aceitam. Existe igualmente porque, dum modo geral, o seu desejo seria a alteração de pequenos pormenores no panorama, sendo que dum modo geral, a realidade seria a mesma.
Uma verdadeira oposição acarreta, não só a coragem da assunção da diferença e da incompreensão, como também a capacidade de suportar a extrema insegurança proporcionada por um salto no desconhecido.
Como hipótese académica, vamos imaginar uma figura de meia-idade, duma família católica, que não se revê nos partidos maioritários, que se considera de direita, e nutre uma certa simpatia pela monarquia e pelo Estado-Novo. Chamá-lo-emos o Dr. Esteves.
O Dr. Esteves acha tudo isto uma bandalheira. O Dr. Esteves escreve num blog, e troca mails com piadas do Sócrates. O Dr. Esteves janta com os amigos e colegas e comenta o último escândalo. O Dr. Esteves tem saudades da tropa. O Dr. Esteves por vezes vota CDS, e nas restantes (ainda que não o confesse publicamente), vota PNR, e sente-se corajoso.
O Dr. Esteves não é racista, mas compreende que a imigração é um fenómeno a ser disciplinado. O Dr. Esteves não entende para que servem os estádios de futebol e o TGV. O Dr. Esteves acha que os políticos deviam ganhar menos.
O Dr. Esteves sente-se roubado pelos bancos. O Dr. Esteves sente o seu emprego ameaçado.
Um dia, ele enche-se de coragem e pensa.: “É meu dever cívico deixar um país melhor aos meus filhos. Vou meter-me na política”.
Então convence os amigos dos jantares a formar um partido. Um deles faz um logótipo simples, que é para poupar na impressão dos panfletos. Um outro, mais dextro no português escreve. “Há que dizer as verdades, expor as roubalheiras.” Contudo, na parte programática, claudica - Liberalismo económico, nacional socialismo, democracia-cristã, monarquia – todos estes nomes são “direita” mas como posicionar-se? Como conceber um modelo de Estado? Ele sabe que é de direita e que quer acabar com as poucas-vergonhas, mas as aulas de História no liceu já vão longe, e mesmo assim não ensinaram grande coisa.
A coisa sai complicada mas acutilante.
Para espanto dos novos políticos (ou talvez não) o resultado prático não é muito animador. O eleitorado passou ao lado das revelações do Dr. Esteves e dos seus amigos. Mas eles não desistem – afinal dizem a verdade e a verdade é como o azeite – vem sempre ao de cima.
O Dr. Esteves todas as semanas tinha uma sociedade para jogar no Euromilhões e por sorte, ou desígnio divino, saíu-lhe. Para desagrado da família, resolve investir a fortuna na recém-iniciada actividade partidária. Ombreando com os barões da droga e da construção civil, ele faz uma nova campanha eleitoral ao mais alto nível. Contrata um consultor de imagem brasileiro, um maquilhador homossexual e uma tribo de fotógrafos e camaramens. As ruas enchem-se de cartazes a abraçar criancinhas. A sua veia filantrópica aparece em documentários. Há um clima messiânico no ar. É ele que vai endireitar o país. Qual Salazar, qual quê?! Vota Esteves.
E o eleitorado vota. E o Dr. Esteves é eleito. Forma governo. Os amigos dos jantares são agora ministros. Como governar?
Os gabinetes dos seus ministérios estão cheios de inúteis, militantes do PS e do PSD, que foram recebendo os seus cargos como recompensa pelo voto nos últimos trinta anos. Fazem-lhe frente. Cada ordem é recebida ou com excesso de zelo ou com uma greve de braços caídos. O Dr. Esteves não consegue ver executada uma única decisão daquelas que considerava lapidares. O povo chama-lhe hipócrita. Ele concebe uma reforma na administração pública, mas o Orçamento do Estado não permite as indemnizações e reformas que iriam derivar de despedimentos em massa. Fica tudo na mesma.
O Dr. Esteves persiste, mas compreende que sem fronteiras não pode controlar a imigração nem as importações. As empresas pedem-lhe socorro, mas a Europa é inflexível. O Dr. Esteves vê então que não pode gerir a agricultura, nem as pescas, nem a indústria, nem sequer ajudar o restaurante onde jantava com os amigos a ver-se livre de regras estúpidas.
O Dr. Esteves desiste. Tenta reaver o dinheiro que investiu na campanha, num negócio com os chineses. Afinal, ninguém parece querer saber.
Moral da história. Oposição é algo muito diferente do Dr. Esteves.
Compreender o fracasso do Dr. Esteves
É bom imaginar o percurso do Dr. Esteves. Desta forma não teremos de despender energias em vivê-lo, e podemos usá-las de forma mais benéfica para todos.
Porquê então o seu fracasso? Uma resposta precipitada seria: “Porque não o deixaram fazer o que ele queria.” Até certo ponto é verdade, mas vista a coisa de forma mais séria, a culpa está no coração do Dr. Esteves.
Como assim?
Há uma contradição de base no nosso Dr. Esteves. Ele é católico e defende a verdade. Mas no processo, serve-se de um regime partidário que assenta num conjunto de mentiras.
1. No regime que atravessamos, poucos são os partidos em que a ideologia corresponde à nomenclatura. O marxismo já não faz parte do programa do PS. Bloco de Esquerda é uma designação ambígua e imprecisa: À esquerda de quê? O nacional socialismo é uma esquerda, comparada com o capitalismo liberal. Será o Bloco um Nacional Socialismo? A Social Democracia é incompatível com a crise económica. Se não há empresas saudáveis a quem cobrar, como fazer uma política social? O Partido Popular é tudo menos popular. Sendo o mais à direita com representação parlamentar, poderia facilmente trocar de nome com a UDP que, se tivesse representação, seria um dos mais à esquerda. Criar um partido neste regime, é mentir e participar numa mentira colectiva .
2. A forma como é conduzido o financiamento dos partidos, obscura q.b., é um acréscimo nessa mesma mentira. Só um hipotético Euromilhões traria honestidade ao financiamento duma campanha eleitoral. Slogans como “Uma Europa forte” não dizem rigorosamente nada sobre que modelo económico é defendido para a dita. Interessa apenas a criação de uma imagem – a possibilidade de cada eleitor mentir a si próprio sobre as suas expectativas europeias.
O Dr. Esteves andou perdido entre as ideologias como quem se perde numa loja de sapatos. Ele queria decisões pragmáticas sem um alicerce ideológico, ou melhor ainda, sem um alicerce moral! O Capitalismo, como é sabido, parte duma base moral judaico-protestante, os socialismos assentam numa base mística maçónica com aparência ateia ou agnóstica, e finalmente existe uma reminiscência do modelo de sociedade orgânica cristã primitiva nas concepções monárquicas. Sendo formalmente católico, o Dr. Esteves não conseguiu fazer a ponte entre a sua Igreja e a sua concepção de Estado.
Quem disse que ser democrata é ser adepto de um regime partidarizado? Quem acha que a organização em partidos de aparência ideológica, mas com base no clientelismo, é a melhor forma de representatividade dos cidadãos?
Resumindo, o grande problema do Dr. Esteves foi a falta de estruturação da sua identidade. Acabou assim por assumir a identidade dos que o rodeavam.
Oposição e identidade
Um Dr. Esteves esclarecido estaria familiarizado com a Doutrina Social da Igreja, e assim não teria de diambolar pelas ideologias dos vizinhos. Compreenderia, através das Escrituras e da Patrística, que uma sociedade não é nem deve ser dividida em classes, segundo o rendimento económico, (e assim todas as definições “populares” acabam sendo falaciosas) mas sim segundo afinidades familiares, laços de fidelidade pessoal, em grupos não de iguais mas de diferentes – na capacidade, na missão e na recompensa.
Compreenderia que esses grupos, diferentes entre eles, mas cooperando entre si nos objectivos, teriam uma representatividade, não atomista e individual, mas orgânica e corporativa. Compreenderia que num sistema de representatividade verdadeiramente democrático, não pode estar em causa a escolha dum modelo de Estado, mas sim, dentro de um modelo de Estado consensual, a tomada de decisões que afectam este ou aquele grupo social.
Compreenderia que a acumulação de tesouros na Terra é destrutiva – é autodestrutiva - e promoveria uma ordem de valores em que a oração e a contemplação sejam tidos como o maior bem.
Finalmente, tentaria preservar o seu país do modelo político e económico oriundo duma Europa que não partilha dos seus valores.
Como?
Depois dessa identidade estruturada, de duas maneiras fundamentais:
Exibindo-a, divulgando-a – no círculo familiar, nos seus jantares entre amigos, em cada contacto pessoal. Associando-se com os que pensam da mesma forma, procurando os pontos em comum que estejam acima de todos os movimentos e associações.
Dando o exemplo na recusa do cumprimento de normas prejudiciais quer a si próprio, na sua integridade cristã, quer ao seu país tido como uma comunidade de cristãos – a não cooperação com este modelo de Estado é a forma mais corajosa e mais eficaz para o derrube do regime que nos desagrada.
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