quarta-feira, maio 12, 2004

Estados Unidos: o país real e o país político

Em qualquer crítica que se faça aos Estados Unidos da América, recorrendo à velha dicotomia de Maurras, há que distinguir o país real do país político: tendo presente que nos encontramos perante uma sociedade extremamente complexa, e mau-grado os efeitos de quarenta anos de revolução cultural politicamente correcta, ainda assim é sempre possível opor as duas realidades maurrausianas - de um lado, o país real, de origem europeia, herdeiro dos valores e tradições do Velho Mundo, maxime, a herança cultural greco-romana e o baptismo cristão, que enformam aquilo a que se chama Ocidente; do outro, o país político representado pelo "establishment" de Washington, controlado ferreamente por poderosos lóbis e clubes de influência mundialista, que, em simultâneo, impõem a sua ditadura de facto ao país real, mediante o domínio quase absoluto de realidades como os dois principais partidos políticos (as diferenças entre ambos são pouco mais que cosméticas), os meios de comunicação social de referência, as principais universidades e o mundo das artes e do espectáculo, onde Hollywood desempenha papel fulcral.

Ora, é este "establishment" que, pelo menos desde os finais do século XIX, animado por um atroz cinismo, tem estado por detrás de todas as agressões belicistas americanas, as quais costumam ser genericamente retratadas como intervenções em defesa da democracia, capa de hipocrisia wilsoniana que mais não serve do que travestir os verdadeiros móbeis das mesmas, isto é, a defesa dos sórdidos interesses imperialistas de quem controla os bastidores de Washington. E a audácia destes vai tão longe que não hesitam eles próprios em criar artificialmente as razões que, perante uma opinião pública completamente manipulada, fornecem a justificação para as aventuras militares da República Imperial.

Recordemos a sabotagem auto-infligida ao couraçado Maine, na baía de Havana, em 1898, que despoletou Guerra Hispano-Americana; a cilada montada ao transatlântico "Lusitânia", que possibilitou a entrada dos EUA na I Guerra Mundial; a "negligência" deliberada perante a iminência do ataque japonês a Pearl Harbor, que levou os E.U.A. à participação na II Guerra Mundial; o "incidente" do Golfo de Tonquim, que iniciou a escalada que conduziu à Guerra do Vietname; a cilada montada a Saddam Hussein em 1990, quando os Estados Unidos, por intermédio da sua embaixadora em Bagdad, assentiram na invasão do Koweit, circunstância que permitiu a primeira Guerra do Golfo; a criação e armamento do grupo terrorista albanês UÇK, pelos E.U.A., para provocar uma reacção de legítima defesa sérvia, que legitimou o ataque à Jugoslávia em 1999; enfim, a "incúria" dolosa que antecedeu o 11 de Setembro de 2001, que abriu as portas para à intervenção no Afeganistão e à Segunda Guerra do Golfo.

A este curriculum nada brilhante, acresce que os E.U.A. são o país que não hesitou em queimar vivos 500.000 civis nos bombardeamentos levados a cabo sobre as cidades de Dresden, Hiroshima e Nagasaki no final da II Guerra Mundial, acções que todos os especialistas reputam como sendo de muito duvidosa eficácia de um ponto de vista puramente militar (Hiroshima e Nagasaki eram as únicas duas cidades do Japão onde havia uma maioria cristã…), bem como em eliminar cerca de dois milhões de prisioneiros de guerra alemães, resultado directo das condições pavorosas que se viviam nos campos onde estes se encontravam detidos, campos de detenção administrados pelo exército norte-americano. Saliente-se que tais prisioneiros não eram dignitários do regime nacional-socialista, nem sequer criminosos de guerra ou membros das unidades SS responsáveis pela administração do sistema concentracionário nazi, mas simples vencidos da II Guerra Mundial.


Assim, por todas as razões que expus, as imagens bárbaras de que o BOS, o Pedro Guedes e, sobretudo, o Manuel Azinhal dão conta nos seus blogues, por paradoxal que isso possa parecer, não me causam qualquer admiração.

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