quarta-feira, fevereiro 25, 2004
A anormalidade gera anormalidade
A difusão moral do egoísmo produz inversões e anormalidades, mas essas coisas, por mais que o digam os relativistas, não têm a mesma estabilidade das naturezas normais. A anormalidade está sempre em tensão. Ainda que toda a humanidade se pervertesse de algum modo, e não pudesse contar com a reprovação pública, ou com a correção fraterna, ou com a crítica, nem por isso perderia totalmente o contato com o padrão da normalidade, que está inscrito na natureza das coisas. Por isso, ou pela presença de alguma reprovação, o anormal está sempre em tensão, ou numa desafinação consigo mesmo e com os outros. Procurará firmar-se, afirmar-se na anormalidade, para se sentir integrado consigo mesmo e conseguintemente com os outros; ou então, com revolta, quererá anormalizar o mundo de algum modo, a fim de encontrar nele consonância para a sua mísera anormalidade. Enquanto funciona o acelerador, a disjunção interna, pode-se dizer que a anormalidade gera a anormalidade. Ou pela consolidação, pelo acinte e pela aberrante insolência da opção, ou por subversão do ambiente.
Um exemplo ilustrativo do primeiro caso se encontra frequentemente nos casos de inversão sexual em que o viciado, a certa altura, instala-se para toda a vida e para a eternidade, como quem quer afirmar que aquilo tem o direito de espelhar valores eternos. Seu pecado não está nos atos acidentais, está mais na opção que imprime carácter.
(…)
A anormalidade gera a anormalidade, enquanto funciona a atmosfera cultural do Homem-Exterior. E o efeito mais direto, mais abundante, não é o da anormalidade que encontra em si mesma a própria confirmação; é antes o da anormalidade que sente a reprovação que não sabe de onde vem e que, apesar de toda a desordem ambiente, ainda traz uma secreta notícia da normalidade como Deus a quer. Essa pressão externa produz o desejo de um mundo totalmente de pernas para o ar aonde a anormalidade se generalizou e então se tornou uma espécie de normalidade.
É desse desejo angustiado e perverso de subverter que nascem os admiradores do Comunismo e do Nazismo. Querem virar o universo pelo avesso a fim de encontrar nele apoio e até aplauso. Ninguém pode viver sem algum aplauso. Ninguém pode viver uma contradição cósmica. E é com esse furor de anormalizar que se fazem os nazistas e comunistas.
Hoje, só uma criança, ou uma pessoa prodigiosamente desinformada, poderá ainda acreditar que os "intelectuais" e "estudantes" simpatizam com o comunismo por causa da "missão redentora do proletariado", da "mais-valia" ou da "luta de classes". E poderá ainda acreditar que existe alguma correlação entre Comunismo e Justiça Social. O que move os agentes totalitários e a "inteligentzia" é o ressentimento e o gosto da subversão. Daí a estranha insensibilidade que eles manifestam, para estupefação do homem normal e ingénuo que não consegue entender tal comportamento. Insensibildade diante dos expurgos, diante do pacto germano-soviético, do abandono dos comunistas espanhóis à sua própria sorte, do massacre dos húngaros, e do muro de Berlim. E sobretudo insensibilidade na convivência uns com os outros.
Gustavo Corção - Dois Amores, Duas Cidades - Rio de Janeiro, Agir, 1967
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