sábado, agosto 28, 2010

No centenário da Carta "Notre Charge Apostolique"


Cumpriu-se no passado dia 25 de Agosto, o centenário da Carta "Notre Charge Apostolique", de São Pio X, e pese embora esta efeméride já haver sido assinalada em diversos blogues amigos, era impossível este espaço, que se reclama do antimodernismo e do antiprogressismo, olvidá-la.

De facto, a "Notre Charge Apostolique" é não só um dos grandes documentos do pontificado de São Pio X, mas também da história da Igreja no século XX. Cem anos depois da sua publicação, mantém inteira actualidade. Se na "Pascendi" aquele Santo Papa demoliu a heresia modernista, de natureza eminentemente teológica, na "Notre Charge Apostolique" foi ainda mais longe e arrasou as falácias da heresia progressista cristã, de natureza essencialmente político-social, que viria a ocupar boa parte da Igreja a partir da década de 1960 e cujos efeitos depredatórios ainda hoje se fazem sentir.

Ora, conforme aqui escrevi em tempos, teriam tais depredações progressistas atingido o grau que atingiram, se um número realmente significativo de católicos tivesse sabido reconhecer e contradizer de imediato a ideia desfigurada que tais hereges dão de Cristo e do papel da sua Igreja no mundo, mediante a imprescindível leitura da "Notre Charge Apostolique", em vez de perder o precioso tempo de que dispunha com inanidades e até imoralidades? Creio firmemente que não!

E passo a citar São Pio X, na referida Carta:

Queremos chamar vossa atenção, Veneráveis Irmãos, sobre esta deformação do Evangelho e do carácter sagrado de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e Homem, praticada no Sillon e algures. Desde que se aborda a questão social, está na moda, em certos meios, afastar primeiro a divindade de Jesus Cristo, e depois só falar de sua soberana mansidão, de sua compaixão por todas as misérias humanas, de suas instantes exortações ao amor do próximo e fraternidade. Certamente, Jesus nos amou com um amor imenso, infinito, e veio à terra sofrer e morrer, a fim de que, reunidos em redor dele na justiça e no amor, animados dos mesmos sentimentos de mútua caridade, todos os homens vivam na paz e na felicidade. Mas para a realização desta felicidade temporal e eterna, Ele impôs, com autoridade soberana, a condição de se fazer parte de seu rebanho, de se aceitar sua doutrina, de se praticar a virtude e de se deixar ensinar e guiar por Pedro e seus sucessores. Ademais se Jesus foi bom para os transviados e os pecadores, não respeitou suas convicções erróneas por sinceras que parecessem; amou-os a todos para os instruir, converter e salvar. Se chamou junto de si, para os consolar, os aflitos e os sofredores, não foi para lhes pregar o anseio de uma igualdade quimérica. Se levantou os humildes, não foi para lhes inspirar o sentimento de uma dignidade independente e rebelde à obediência. Se seu coração transbordava de mansidão pelas almas de boa vontade, soube igualmente armar-se de uma santa indignação contra os miseráveis que escandalizam os pequenos, contra as autoridades que acabrunham o povo sob a carga de pesados fardos, sem aliviá-la sequer com o dedo. Foi tão forte quão doce; repreendeu, ameaçou, castigou, sabendo e nos ensinando que, muitas vezes, o temor é o começo da sabedoria, e que, às vezes, convém cortar um membro para salvar o corpo. Enfim, não anunciou para a sociedade futura o reinado de uma felicidade ideal, de onde o sofrimento fosse banido; mas, por lições e exemplos, traçou o caminho da felicidade possível na terra e da felicidade perfeita no céu: a estrada real da cruz. Estes são ensinamentos eminentemente sociais, e nos mostram em Nosso Senhor Jesus Cristo outra coisa que não um humanitarismo sem consciência e sem autoridade.

segunda-feira, agosto 16, 2010

Por um novo movimento litúrgico: relembrar um texto fundamental


Aproximando-se a passos largos a realização da Conferência sobre a Missa Tradicional de rito latino-gregoriano, que decorrerá em Fátima entre os próximos dias 8 e 11 de Setembro, é este o momento ideal para relembrar um texto fundamental do então Cardeal Ratzinger, retirado da sua autobiografia recentemente traduzida e publicada em Portugal ("A Minha Vida - Lisboa, Livros do Brasil, 2010 - páginas 106 a 108), sendo os destaques da transcrição abaixo de minha responsabilidade:

O segundo grande acontecimento que ocorreu no começo dos meus anos de Ratisbona foi a publicação do "Missal", de Paulo VI, com a proibição quase total do "Missal" anterior, após uma fase de transição de cerca de seis meses. O facto de, após um período de experiências, que amiúde desfiguraram por completo a liturgia, se passar a ter um texto litúrgico vinculativo, era de saudar como algo seguramente positivo. Mas fiquei estupefacto com a proibição do "Missal" antigo, dado que nunca na história da liturgia se verificara uma situação semelhante. Quis-se passar a ideia de que era uma coisa normal. O "Missal" anterior tinha sido publicado por Pio V em 1570, na sequência do Concílio de Trento; era portanto normal que, passados quatrocentos anos e um novo Concílio, um novo papa publicasse um novo "Missal". Mas a verdade histórica é outra. Pio V limitara-se a reelaborar o "Missal" romano que se utilizava na época, coisa que aliás sempre acontecera ao longo dos séculos. Por seu lado, muitos dos seus sucessores reelaboraram ulteriormente este "Missal", sem nunca, porém, contraporem um "Missal" ao outro. Tratou-se sempre de um processo contínuo de crescimento e de purificação, em que, no entanto, a continuidade nunca era posta em causa. Um "Missal" de Pio V que tenha sido criado por ele, simplesmente nunca existiu. O que existe é a reelaboração que ele mandou fazer, como fase de um longo processo de crescimento histórico. A novidade, após o Concílio de Trento, foi de outra natureza: a invasão súbita da reforma protestante fizera-se sentir sobretudo na modalidade das reformas litúrgicas.

Não havia simplesmente uma Igreja católica e uma Igreja protestante, postas uma ao lado da outra, a divisão da Igreja ocorreu quase imperceptivelmente e teve a sua manifestação mais visível e historicamente mais incisiva nas mudanças ao nível da liturgia. Estas mudanças resultaram de tal maneira diversificadas ao nível local, que o limite entre o que era e não era católico se tornou, amiúde, bem difícil de definir. Esta situação de confusão, criada pela ausência de uma normativa litúrgica unitária e pelo pluralismo litúrgico herdado da Idade Média, fez com que Pio V decidisse que o "Missale Romanum", o texto da liturgia da cidade de Roma, por ser seguramente católico, devia ser introduzido em todo o lado onde não houvesse uma liturgia com, pelo menos, duzentos anos de existência. Onde este critério se verificava, podia manter-se a liturgia anterior, dado que o seu carácter católico era considerado seguro. Não se pode, por isso, falar de uma proibição relativa aos "Missais" anteriores e até ao momento regularmente aprovados.

Agora, pelo contrário, a promulgação do impedimento do "Missal" que se tinha desenvolvido ao longo dos séculos, desde o tempo dos sacramentais da Igreja antiga, implicou uma ruptura na história da liturgia, cuja consequências não podiam deixar de ser trágicas. Tal como já tinha acontecido muitas vezes, era razoável e plenamente em linha com as disposições do Concílio que se fizesse uma revisão do "Missal", sobretudo, tendo em consideração a introdução das línguas nacionais. Mas nesse momento aconteceu algo mais: destruiu-se o edifício antigo e, embora utilizando o material e o projecto deste, construiu-se um novo.

Não há dúvida de que, em algumas partes, este novo "Missal" trouxe verdadeiros melhoramentos e um real enriquecimento. Contudo, o facto de ter sido apresentado como um edifício novo - contraposto ao que fora construído ao longo da história - que se proibisse este último e que, de certa maneira, se concebesse a liturgia já não como um processo vital, mas como um produto de erudição especializada e de competência jurídica, trouxe-nos danos extremamente graves. Com efeito, deste modo desenvolveu-se a ideia de que a liturgia se "faz", de que não é uma realidade que exista antes de nós, - algo de "dado" -, mas que depende das nossas decisões. Consequentemente, esta capacidade de decisão não é só reconhecida aos especialistas ou a uma autoridade central, mas também em definitivo a qualquer comunidade que queira ter uma liturgia própria. O problema é que, quando a liturgia é algo que cada qual pode fazer à sua maneira, ela deixa de nos poder dar aquela que é a sua verdadeira qualidade: o encontro com o mistério, que não é produto das nossas acções, mas a nossa origem e a fonte da nossa vida. Para a vida da Igreja, é dramaticamente urgente um renovamento da consciência litúrgica, uma reconciliação litúrgica, que volte a reconhecer a unidade da história da liturgia e compreenda o Vaticano II não como ruptura, mas como momento evolutivo. Estou convencido de que a crise eclesial em que actualmente nos encontramos depende, em grande parte, da decadência da liturgia, que, por vezes, é mesmo concebida "etsi Deus non daretur": "como se se já não interessasse se Deus está ou não presente nela", se Ele nos fala e ouve ou não. Mas se na liturgia já não aparece a comunhão da fé, a unidade universal da Igreja e da sua história, o mistério de Cristo vivo, de que modo é que a Igreja manifesta a sua substância espiritual? Nesse caso, a comunidade celebra-se apenas a si mesma, coisa que não tem qualquer valor. E dado que a comunidade em si mesma não pode subsistir, mas é criada, na fé e como unidade, pelo próprio Senhor, torna-se inevitável que, nestas condições, se chegue ao ponto da fragmentação em partidos de todo o género, à contraposição partidária numa Igreja que se dilacera a si mesma. É por isso que precisamos de um novo movimento litúrgico, que recupere a verdadeira herança do Concílio Vaticano II.

Dia de Assunção em Fátima

Fátima, 15 de Agosto, Festa da Assunção de Nossa Senhora: a capela da Casa do Menino Jesus de Praga esteve completamente lotada, à cunha, repleta de fiéis portugueses (de Portugal, França e Alemanha), espanhóis e franceses, para assistirem ao Santo Sacrifício da Missa oficiado pelo Reverendo Padre Juan Maria de Montagut, Superior da Casa Autónoma da FSSPX de Portugal e Espanha. Foi uma magnífica jornada de fé, bem demonstrativa de que no nosso País há interesse - e muito - pela Missa Tradicional de rito latino-gregoriano, desde que a mesma seja devidamente providenciada e promovida!

E é bom saber, através de pequenos factos como o que agora adianto, que também em Portugal, lentamente, a tradição começa a conquistar o lugar que lhe pertence por direito próprio: a um grupo de jovens peregrinos tradicionalistas provenientes de França, que a partir de determinado ponto decidiram concluir a pé a sua peregrinação até Fátima, o pároco de uma importante localidade, por onde aqueles passaram, não hesitou em ceder-lhes a sua igreja paroquial, permitindo que aí o sacerdote que os acompanhava celebrasse a Missa de sempre! Graças a Deus que nem tudo está mal na Igreja portuguesa! Que os bons elementos desta ousem sair da "reserva de índios" em que presentemente se encontram!

domingo, agosto 08, 2010

Rito latino-gregoriano em Roma

Hoje assisti à Missa aqui. Rito latino-gregoriano em plena Roma, na paroquia tradicional criada pelo nosso querido Papa Bento XVI. Depois conto mais pormenores, quando regressar la para o final da semana.

quinta-feira, agosto 05, 2010

Isto não é a Igreja

Conforme já aqui escrevi neste espaço, a obra do Padre Leonardo Castellani é um verdadeiro pronto-socorro espiritual para todos os católicos amigos da tradição que vivem no tempo presente. Perante a autêntica perseguição de que estes são vítimas por parte dos inimigos internos da Igreja e face ao desânimo que a mesma possa provocar entre alguns deles psicologicamente mais frágeis, como não recordar as palavras abaixo transcritas do grande sacerdote argentino, que as profere com pleno conhecimento de causa? Aqui ficam, actualíssimas:

En medio del camino de mi vida, la Iglesia, a la cual había estado sirviendo bien o mal amando - sí - tranquilamente, se me dio vuelta y me mostró una figura de hiena, altro que Madre; la cual figura se me aparece de nuevo cada día que hay viento norte. Fue la mayor tentación de mi vida, una tentación contra la Fe - la cual, como digo, vuelve a veces -, tentación que pisaba sobre hechos indubitables, o sea hechos de experiencia. Su formulación era esta: Si la Iglesia me persigue gratuitamente, no es una sociedad fundada por Cristo, la sociedad santa que nos enseñaron.

La respuesta - sencilla, pero difícil de actuar - era: Esto no es la Iglesia. Pero es la Jerarquía de la Iglesia, la más alta Jerarquía. No toda la Jerarquía; y algunos cuantos miembros de la Jerarquía, por alto que estén, no son la Iglesia. La Iglesia son los santos, los humildes, los rectos, los que tienen fe actuosa, los jerarcas iluminados sean pocos o muchos, la inmensa masa de los que practican la doctrina de Cristo calladamente.

La Iglesia no se conoce por los vestidos colorados; es más difícil de conocer que eso.

"Discurso con motivo de cumplir sus 70 años", citado por Sebastián Randle, in "Castellani", Buenos Aires, Vórtice, 2003, página 691.

terça-feira, agosto 03, 2010

Deixem fazer a experiência da tradição em Portugal! (3)

Tem absoluta razão a Teresa quando afirma que confiar em bispos modernistas é a desgraça. Aqui deixo ao conhecimento dos meus leitores mais uma triste história de sabotagem da Missa tradicional de rito latino-gregoriano, obviamente protagonizada por um triste figurão do episcopado lusitano. Como não podia deixar de ser…

***

Um casal de noivos - ele francês, ela portuguesa - pretendeu casar-se num conhecido santuário do norte do País. Dirigiram-se ao respectivo reitor para tratar das correspondentes formalidades e, certamente ignorando o estado de autêntica anomalia religiosa que se vive em Portugal, manifestaram-lhe a intenção de que a Missa do seu casamento fosse oficiada segundo o rito tradicional latino-gregoriano (possibilidade prevista pelo Motu Proprio "Summorum Pontificum", do Papa Bento XVI). Informaram-no também de que um sacerdote católico deles amigo, "em plena comunhão com Roma", se havia disponibilizado a celebrar esse casamento e a respectiva Missa em tal rito.

A resposta foi-lhes dada com prontidão e rapidez: que não, que não era possível oficiar a Missa tradicional de rito latino-gregoriano, que ele reitor não consentia nisso e o senhor bispo diocesano também não!

Em face disto, o pai do noivo expôs o caso à Comissão "Ecclesia Dei", que interveio, solicitando ao dito bispo diocesano que desbloqueasse a situação a contento dos noivos.

A resposta deste último, mais uma vez, chegou célere e expedita: que não desbloqueava nada e que proibia expressamente a celebração da Missa no rito pretendido!

Perante esta factualidade, e não desejando prolongar este litígio até por razões de disponibilidade temporal, os noivos em causa desistiram da ideia de casar em Portugal e optaram antes por fazê-lo em França, onde, apesar de tudo, parece que ainda há bispos efectivamente católicos e em comunhão com Roma...